30.9.24

SAÚDE: Por que razão ainda existem milhões de pessoas com hepatite C sem o saber?

1 de outubro - Dia Internacional de Consciencialização para a Hepatite C A hepatite C é uma doença infeciosa causada por um vírus (VHC), que afeta sobretudo o fígado, e que se não for tratada, pode evoluir para cirrose, insuficiência hepática ou mesmo cancro do fígado. No entanto, apesar da gravidade, a hepatite C é uma doença silenciosa, muitas vezes assintomática durante anos, o que dificulta o seu diagnóstico precoce. Atualmente, estima-se que cerca de 58 milhões de indivíduos no mundo estejam infetados com o VHC e que ocorram cerca de 1,5 milhões de novas infeções todos os anos. Em Portugal, dados da Direção Geral da Saúde (DGS), reportam que aproximadamente 1% da população adulta possa estar infetada, mas muitos desconhecem o seu estado serológico. Isso reflete uma das maiores barreiras no combate a esta doença: a falta de consciencialização e de rastreio. Esta é uma doença para a qual já existe cura. Com os antivirais de ação direta, introduzidos na última década, a taxa de cura da hepatite C ultrapassa os 95%, uma verdadeira revolução no tratamento de uma doença que antes era considerada crónica e incurável. Contudo, a cura só é possível se a infeção for diagnosticada. Neste contexto, a celebração desta data é fundamental para alertar para uma situação de saúde pública que, apesar dos avanços, ainda precisa da nossa ação.
Por que razão ainda existem milhões de pessoas a viver com hepatite C sem o saber? A resposta passa, em grande parte, pela falta de informação e pelo estigma. A hepatite C está frequentemente associada a comportamentos de risco, como o uso de drogas injetáveis, a partilha de materiais contaminados ou por via sexual, o que alimenta preconceitos e retira o foco do que realmente importa: tratar quem precisa e eliminar o vírus. Além disso, é preciso lembrar que a transmissão do VHC não ocorre apenas nestes contextos. Pessoas que receberam transfusões de sangue e seus derivados antes de 1992 ou que tiveram contacto com procedimentos médicos, podem ter sido infetadas. Este espectro de potenciais modos de transmissão reforça a necessidade de campanhas de rastreio mais inclusivas e abrangentes. O compromisso de erradicação da hepatite C até 2030, estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), deve ser encarado como um objetivo coletivo. No entanto, para que seja alcançado, todos têm um papel a desempenhar: governos, profissionais de saúde, organizações não governamentais e a sociedade em geral. As políticas de saúde pública devem priorizar o rastreio, disponibilizando testes rápidos de forma gratuita e acessível, especialmente para as populações mais vulneráveis. Ao mesmo tempo, é crucial eliminar as barreiras no acesso aos tratamentos, garantindo que os medicamentos antivirais estejam disponíveis para todos os que deles necessitam.
Do ponto de vista social, a luta contra a hepatite C também passa por uma mudança de mentalidades. Precisamos combater o estigma associado à doença e promover uma cultura de empatia e apoio. Informar a população sobre as várias formas de transmissão e os tratamentos disponíveis é uma forma de quebrar preconceitos e incentivar o rastreio. O Dia Internacional de Consciencialização para a Hepatite C é, por isso, um momento de reflexão, mas também de ação. É um dia para nos lembrarmos de que o silêncio em torno desta doença pode ser fatal e que, juntos, podemos contribuir para erradicá-la. Para isso, é essencial que cada um de nós tome a responsabilidade de se informar, de sensibilizar os outros e, se for o caso, de fazer o teste. Com os avanços científicos, temos à nossa disposição os meios para a sua eliminação, e cabe a cada um de nós garantir que esta oportunidade não seja desperdiçada. A consciencialização é o primeiro passo, mas a ação é a chave para transformar o futuro. Que este dia seja, portanto, um marco na luta contra a hepatite C e uma lembrança de que a erradicação é possível, se todos fizermos a nossa parte. Só assim poderemos alcançar o ambicioso objetivo de um mundo livre de hepatite C. • Margarida Eulálio – Núcleo de Estudos das Doenças do Fígado da SPMI