2.9.24

MEMÓRIA NISENSE: Crise de trabalho em 1913

Assistimos, nos nossos dias, a um constante ataque a direitos humanos, entre os quais o direito ao trabalho que, num país democrático, julgaríamos intocáveis e indestrutíveis e que vão sendo aniquilados, em nome de chavões como “mercados”, “competitividade”, “regularização das contas públicas” e outros, que fazem abater sobre a cabeça das camadas mais frágeis da população – trabalhadores e desempregados – o cutelo do desemprego, da miséria institucionalizada e do retrocesso civilizacional.
Há mais de um século (1913) a situação económica e social do país não era muito diferente. País agrícola, Portugal enfrentava, regularmente, as contingências das condições climáticas e outras. Em Nisa, a maioria da população, pós República vivia em extremas condições de miséria. Abundavam os braços, rareavam as ofertas de trabalho, o flagelo dos expostos não via solução e estávamos longe, muito longe, de “sonhar” com os emissários do FMI e da alta finança mundial.
O presidente da Comissão Administrativa da Câmara de Nisa, António Maria de Matos Cardoso, dirigiu-se, em carta de 21 de Agosto de 1913, ao Ministro do Trabalho e da Previdência Social, nestes termos:
Excelência
A Comissão Administrativa do Município de Niza, vem perante Vossa Excelência, representar pedindo para que consiga do Governo da República a imediata abertura de trabalhos públicos que, de algum modo conjurar possam a angustiosa crise em que o operariado deste concelho se debate.
O terrível anno que vai correndo, tem sido sob o ponto de vista agrícola, verdadeiramente calamitoso. Quando a poeira do tempo tiver embranquecido as cabeças dos rapazes d´hoje, hão de eles recordar este fatídico 1913, como um pesadelo que lhes vincou na alma uma inolvidável amargura.
As searas apresentaram-se magnificas e assim se conservaram até que, os últimos dias de Maio, um fungo “pucimia rubigovera”, as devastou.
Havia ainda a cultura do milho. Uma última esperança bruxeleava!
Talvez, talvez que uma pequena compensação trouxesse... também falhoi! Todos os sonhos de prosperidade ruíram; e os agricultores sem dinheiro, perdida também a enorme energia reduzem ao mínimo o serviço que é costume efectuar. D´hai a crise de trabalho, agravada confrangedoramente pela carestia de vida.
E a semente do sindicalismo, que no inverno passado foi lançada nos espíritos rudes dos trabalhadores ruraes, lá vae germinando, mercê d´esta circunstancia que lhe é imensamente favorável: a miséria.
A Comissão Administrativa da minha presidência comprehende muito bem a impossibilidade de o Estado remediar por completo esta situação. Mas pode atenuál-a. E uma das formas de o conseguir, consistirá em abrir trabahos públicos.
No prosseguimento da construcção da estrada do Tejo a Amieira, encontrariam muitos braços emprego para a sua actividade, além de assim, se efectuar uma obra de incontestável utilidade publica.
Nas mãos de Vossa Excelência, depõe a Comissão Administrativa do Município de Niza, esta representação, na antecipada certeza de que não encontraria quem melhor do que Vossa Excelência faça triumphar a obra de justiça que n´ela se reclama.
Niza, 21 de Agosto de 1913
O Presidente da Comissão: António Maria de Matos Cardoso