- O Passado e o Presente
Na época a que me venho reportando, nos concelhos de Nisa e
Castelo de Vide, faziam-se três tipos de queijo de leite cru:
- O de ovelha extreme, de dois tamanhos
- O mestiço, da mistura do leite de ovelha e de cabra, em
proporções variáveis;
- O dos Montes, também de mistura do leite de ovelha e
cabra, com predomínio mais frequente do cabrio.
O queijo de Ovelha era o característico de Nisa. O queijo que
mais se impôs e afamou foi o de tamanho grande – 1.100 a 1500 gr de peso. Pela
sua apresentação e qualidade ombreava com os queijos de ovelha do país do seu
tipo. Esse deu nome a Nisa. Assim era conhecido.
O queijo de menor tamanho – 700 a 900 gr de peso – tinha
qualidade, mas era absorvido pelo consumo local e regional.
Como não havia regra sem excepção, a progressiva Casa
Fragoso de Póvoa e Meadas (Castelo de Vide), só fazia queijo de ovelha dos dois
tamanhos, do leite dos seus três rebanhos. O amor à árvore do proprietário não
consentia a presença da cabra. Como dizia : “é bicho daninho, pasta alto, rói tudo onde chega”.
O queijo dos Montes, mais pequeno – 300 a 500 gr. De peso –
era muito apreciado na zona, era praticamente absorvido pelo consumo local.
Como mais pequenos, eram mais acessíveis no preço e como me dizia um ganhão,
“condutavam bem”.
Noto que os produtores do autêntico queijo de Nisa, o
grande, residiam em Nisa e lembro-me que nesse tempo se falava nalguns
produtores fora de Nisa desse tipo de queijo. Apenas me vem à idia que um era
de Arez, o lavrador Bastos, a Casa Rasquilho da Amieira e a Casa Correia, de
Gáfete.
Os queijos de ovelha e os mestiços de Castelo de Vide eram
consumidos curados. Os queijos de ovelha de maior tamanho também se consumiam,
por vezes, na fase da pasta semi-mole, como acontecia com os seus congéneres de
Serpa e Beira Baixa.
Lembro-me, porque assisti várias vezes, que os queijos
guardados para consumo da casa eram mantidos em asados vidrados, tratados
semanal ou quinzenalmente, para serem limpos, lavados com água ligeiramente
salgada, secos a pano e untados no fim com azeite, para de seguida entrarem
novamente nos asados.
Os queijos dos Montes eram consumidos, por via de regras, na
fase de meia cura, com a massa, por vezes de consistência pastosa. Estes
queijos depois de curados e pouco cuidados com o tempo secavam, engelhavam a
casca, adquiriam sabor picante e activavam o cheiro, por vezes com exuberância.
Ainda me recordo das mulheres dos Montes e de Montalvão
andarem de cesta na mão para venderem os queijos, de porta em porta, na minha
aldeia.
Os queijos dessa época tinham características próprias,
qualidade e reputação. Fartavam o consumo local e da região. Os excedentes
tinham procura e aceitação nos mercados distantes.
Acentuo que na região não se vendia leite para queijar.
Apenas nos Montes, segundo constava, num ou outro caso, o queijo era feito em
regime de parceria entre vizinhos, quase sempre familiares.
Neste breve e singelo apontamento tentei recordar os queijos
de Nisa e Castelo de Vide dessa época.
Nos tempos de estudante universitário, dois tipos de queijo
tinham grande fama em Lisboa: o Serra e o Serpa. Na época própria enchiam as
montras das mercearias finas da Baixa e do Chiado.
Curiosamente, o preço do queijo de Serpa era superior ao do
queijo da Serra, ao invés do que acontece nos últimos vinte anos em que o preço
do queijo da Serra, certificado ou só com o rótulo dessa região, supera
bastante o preço do queijo de Serpa.
O queijo de castelo Branco ou da Beira Baixa, do mesmo tipo
e apresentação dos referidos acima, aparecia menos nos mercados da capital.
O queijo de Nisa, idêntico aos anteriormente citados, no
tamanho e características organoléticas, era o que tinha presença mais apagada
no mercado lisboeta. A mais reduzida produção e a sua quase absorção pelo
consumo local e regional, parecem explicar a sua mais parca presença.
A semelhança entre os quatro tipos de queijo é, a meu ver,
inegável. As diferenças que se notam entre eles, filiavam-se, sobretudo, na
fase de cura em que são lançados no mercado, portanto, na textura da massa. A
mais reconhecida é a do queijo da Serra, com a sua pasta mole – de entorna – ou
semi-mole com que aparece no mercado.
O hábito e o gosto dos consumidores, marca a sua preferência
na escolha.
Os técnicos e cientistas que se têm ocupado do estudo desses
queijos são unânimes em afirmar que a raiz tecnológica dos queijos de ovelha
focados é a do queijo da Serra e que os preceitos seguidos no fabrico na região
da Serra da Estrela, foram divulgados e ensinados pelos pastores que
acompanhavam os rebanhos em transumância pela Beira Baixa e pela faixa interior
do Alentejo.
Neste grupo de queijos de ovelha, uma característica os
distingue: a qualidade.
O queijo de Azeitão, igualmente de leite de ovelha extremes
apareceu e ganhou fama mais tarde, depois de sofrer aperfeiçoamentos
tecnológicos no fabrico e de ter sido fixado o formato e o tamanho. Entrou com
galhardia no grupo de queijos de ovelha do país de alta qualidade.
Abro dois parêntesis: um para referir que comi em Espanha –
Saragoça, Burgos, Talavera, Aranjuez, etc., o queijo Manchego, o mais corrente
no país como queijo de ovelha. A qualidade era banal, ia do bom ao sofrível.
Não impressionava e estava longe da qualidade dos queijos de ovelha citados.
Há três anos tive no Pavilhão de Espanha, na Feira Nacional
de Agricultura (Santarém), a grande surpresa de ver e provar o novo queijo
Manchego, feito para concorrência no mercado dos países da CEE.
Um queijo com rica apresentação, de tamanho grande, de
bonito formato, com grande qualidade. Um progresso tecnológico notável, que
muito dignifica os técnicos espanhóis.
O outro para anotar que a França é, na Europa e no mundo, o
país mais rico em queijaria. São múltiplas e notáveis, pela constância do tipo
e da qualidade, as variedades de queijo: o Roquefort, o Brie, o Point Levéque,
o Camembert, o St. Lazaire, o Cantul, as Chévves (piramidal, cilíndrico,
cúbico, o pequeno, etc.) eu sei lá quantas mais variedades.
Por isso os franceses se orgulham de ter o “rei dos
queijos”, o Roquefort, e o “queijo dos reis”, o Camembert.
Portugal bem podia orgulhar-se de ter o “rei dos Queijos” ,
o Serra, e os queijos dos príncipes – o Serpa, o Beira Baixa, o Nisa , o
Azeitão. São queijos de ovelha ímpares no mundo. A eles só se assemelha o Belle
Daise italiano, sem os superar em qualidades sápitas.
* José Carrilho Ralo
* Este trabalho que continuaremos publicar aqui e no Portal de Nisa
(blog) é da autoria do Dr. José Carrilho Ralo (já falecido) e foi entregue num
caderno, escrito à mão, em Junho de 1997. Julgamos importante a sua divulgação,
tanto pelo tema como pela autoridade profissional e científica do conhecido
veterinário natural de Póvoa e Meadas.