2.10.24

OPINIÃO: Dia histórico (com agá pequeno)

Dia vinte sete de setembro foi um dia importante. O parlamento português aprovou o alargamento da licença de parentalidade para seis meses com salário a 100%, concretizando na lei todas as recomendações da OMS sobre a necessidade de garantir o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida do bebé. Ou seja, ficou (finalmente) protegida a possibilidade de cumprir com o mínimo dos mínimos, no que diz respeito ao que é recomendável por todas as entidades de saúde, nacionais e internacionais, no que ao aleitamento materno diz respeito. Seis meses. Apenas. Ora, o facto desse “apenas” ter sido conseguido a pulso, nos idos de 2024, partindo de uma iniciativa cidadã, iniciada nove anos antes, com recolha de milhares de assinaturas para levar a discussão à assembleia, dá o sinal claro do nosso atraso quanto à proteção dos direitos das crianças. Porque aqueles que pensam que isto é uma questão laboral enganam-se, é uma questão de direito dos bebés ao aleitamento materno exclusivo até à idade recomendada para iniciar a introdução alimentar. Direito esse que era quase sempre boicotado pelo regresso ao trabalho da mãe, tornando-se inevitável precipitar uma introdução alimentar precoce, ou substituir o leite materno pelo chamado leite adaptado, a não ser que a família fosse suficientemente privilegiada para fazer o esforço financeiro de prolongar a licença com redução de vencimento. As bravas cidadãs que se mobilizaram por esta iniciativa foram muito perseverantes e a elas devemos este feito histórico, cumprido com os votos contra do PSD e do CDS (os tais “amigos da família tradicional” que na hora H mostraram a face)! Feito histórico com agá pequeno, porém, na medida em que garante um mínimo tão básico (que devia ser do senso comum há anos) e continua a deixar de fora as famílias em situação de precariedade no trabalho, que não são cobertas pelas licenças. Agá pequeno também, porque seria mais do que desejável estarmos muito mais desenvolvidos no que diz respeito às políticas públicas de apoio às famílias e à igualdade de género, nomeadamente aprovando a licença de parentalidade de seis meses para ambos os progenitores. Não apenas porque é muito duro passar pelo puerpério a solo, enquanto o companheiro trabalha todo o dia, em plena recuperação do pós-parto, a privação do sono, as oscilações hormonais e o desafio de consolidar a amamentação, mas sobretudo por uma questão de igualdade perante o mercado de trabalho. Pois se, independentemente do género, fosse claro para o empregador que, em caso de nascimento, todos os seus funcionários teriam direito a licença igual, as mulheres deixariam de estar em desvantagem. E, de bónus, ganharíamos pais mais envolvidos e com um vínculo bem estabelecido desde os primeiros meses dos seus filhos (o que certamente ajudaria a contribuir para uma melhor distribuição das tarefas do cuidado entre progenitores). • Capicua – Jornal de Notícias - 01 outubro, 2024