20.10.24

OPINIÃO: Combater a pobreza tem de ser um desígnio nacional

A decisão de celebrar anualmente, desde 1992, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza a 17 de outubro, sob a égide das Nações Unidas, tem como objetivo mobilizar decisores políticos, organizações não-governamentais e a sociedade em geral, incitando-os a assumir o combate à pobreza e à exclusão social como imperativo coletivo. Assumindo que todos desejamos uma sociedade que respeite os direitos e a dignidade humana, é certo que não há liberdade em situação de privação. Em pleno século XXI e trinta e dois anos depois da decisão das Nações Unidas, Portugal regista cerca de um milhão e setecentas mil pessoas a viver em condições de pobreza e de exclusão social. São números absolutamente inaceitáveis, sobretudo, porque são os grupos mais vulneráveis, invariável e injustamente, os mais afetados. Pobreza é também ficar indiferente, pelo que enfrentar e corrigir este cenário tem de ser um desígnio nacional. É crucial, pois, mobilizar recursos para o aprofundamento do direito a não ser pobre e mobilizar vontades para que o compromisso e o combate sejam coletivos. Temos de ser capazes de cumprir o direito constitucional à habitação, um dos pilares sociais que tem sido mais difícil de concretizar, requisito fundamental para aceder a outros direitos essenciais e básicos como a saúde, a educação, o trabalho, a cultura, a proteção social e o bem-estar. Os desígnios são fáceis de elencar mas as tarefas necessárias, muitas vezes, hercúleas: promover os direitos das crianças, valorizando a escola pública e assegurando que crescem e se desenvolvem em ambientes familiares livres de privação e exclusão; assegurar aos nossos idosos condições de vida dignas; disponibilizar o acesso a serviços sociais de qualidade a todos os cidadãos, em especial aos mais vulneráveis, entre os quais as pessoas em situação de sem-abrigo; combater o preconceito contra pessoas com deficiência e facilitar a sua efetiva integração; promover práticas igualitárias e combater todas as formas de discriminação e de injustiça. Apesar dos problemas que persistem, é reconhecido que o Porto tem desenvolvido políticas de reforço da solidariedade e justiça social. Destaco apenas três: a coordenação de uma Rede Social com cerca de trezentas entidades; a gestão, com financiamento totalmente municipal, de um centro de acolhimento temporário para pessoas em situação de sem-abrigo, a elaboração e implementação de um plano de ação especificamente pensado para as pessoas mais velhas, “Porto Cidade Amiga das Pessoas Idosas”. Porque uma cidade não é uma ilha, é fundamental que todos os municípios assumam a responsabilidade de prevenir as situações de forte vulnerabilidade que possam conduzir à condição de desabrigo, enquadrando-a nas políticas sociais e de emergência, nas respostas de primeira linha e no investimento na habitação pública. Face à imensidão do problema e à sua complexidade, sentimos, por vezes, que as políticas que desenvolvemos são, como disse Madre Teresa de Calcutá, uma gota de água no oceano. Mas “vale a pena prosseguir, porque o oceano seria menor se lhe faltasse essa gota.” • Fernando Paulo - Vereador da Coesão Social da Câmara do Porto e Coordenador do NPISA Porto - Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo In Jornal de Notícias -17 outubro, 2024