16.6.24

OPINIÃO: As feridas do Interior

Completa-se amanhã mais um ano sobre o incêndio que mais vítimas causou no país e é provável que o tema entre pouco no espaço mediático, visto que o 10 de Junho já passou por Pedrógão. Ouviram-se odes ao país inteiro, à ruralidade, à coesão social e à resiliência. Prometeu-se que será desta que as medidas para corrigir assimetrias serão concretizadas e que as políticas de valorização da metade mais esquecida do país não ficarão na gaveta. Para o ano, muito provavelmente, voltaremos a ouvir reflexões idênticas.
A comoção com que ouvimos o bombeiro Rui Rosinha denunciar a dor das marcas que tem na pele é breve e desaparece após as cerimónias. Aliás, o diagnóstico do presidente da República focou-se nos incêndios como causa maior do sofrimento, quando estes são uma consequência, não a causa, do estado do Interior. Os fogos são a face visível de um território despovoado, desorganizado e sem capacidade económica para criar dinâmicas que contrariem este estado de coisas.
Além disso, o país não precisa de ser mais igual - nem deve desejar sê-lo. Diferentes regiões têm necessidades e características diversas. Exige-se que haja igualdade de oportunidades, o que por vezes implica tratar de forma diferente o que é efetivamente desigual. Percebendo o óbvio: não é sequer discriminação positiva, trata-se simplesmente de adequar políticas às diferentes regiões. O que, parecendo simples, tem sido obstaculizado por uma visão centralizada que nem sequer consegue acelerar medidas básicas de desconcentração e decisão regionalizada.
A intervenção do bombeiro Rosinha não foi sobre incêndios, foi sobre a vida de todos os dias para além deles. Como se tenta, uma vez e outra, “transformar a dor em esperança”. Nem sempre conseguimos, ouvimo-lo confessar. Mas nem por isso houve dele, como não há da generalidade desses territórios que resistem e procuram redesenhar-se todos os dias sem deixarem de ser genuínos, cedência à amargura. A vida renasce sempre entre as cinzas. Mas é dramático que a natureza faça tantas vezes sozinha aquilo que os sucessivos governos se esquecem de apoiar.
* Inês Cardoso - Jornal de Notícias -16 junho, 2024