22.6.24

OPINIÃO: Comunidades Intermunicipais e coesão territorial (I)

A sessão comemorativa do 10 de junho de 2024 decorreu nos concelhos do interior do país atingidos pelos grandes fogos de 2017, Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera. Na ocasião o Senhor Presidente da República referiu-se com veemência à temática da coesão territorial. Vale a pena fazer algumas reflexões a este propósito.
A transferência de atribuições e competências, diretas, delegadas e subdelegadas, para as Comunidade Intermunicipais (CIM) precisa não apenas dos recursos financeiros correspondentes, mas, sobretudo, de um guião de médio e longo prazo que dê um sentido e uma razão de ser às suas condições de formulação e realização. E é, assim, por maioria de razão, em áreas de baixa densidade (ABD) onde o espírito de comunidade, as economias de proximidade e os bens e serviços comuns fazem todo o sentido. De facto, todos precisamos de saber se as CIM podem ser a base territorial, a unidade de missão e o sistema operativo capazes de construir uma economia de rede e aglomeração com um mínimo de sustentabilidade e um futuro de prosperidade. Falo, em especial, de um sistema produtivo local (SPL), em sentido amplo, com uma geometria variável de subsistemas produtivos e um conjunto de cadeias de valor cuja intensidade-rede importa avaliar para melhor integrar e coordenar. A este SPL da CIM deve acrescentar-se o sistema de bens públicos locais e regionais e, por via da economia digital e da inteligência coletiva territorial, todas as plataformas de colaboração e partilha de oferta de serviços públicos.
Um território inteligente e criativo é tão crítico como necessário nas áreas de baixa densidade com graves problemas de coesão territorial. Nestes casos a transformação digital é imprescindível, mas a conexão digital enfrenta muitas dificuldades para promover o círculo virtuoso do desenvolvimento. É certo, a conexão digital reduz a invisibilidade do problema, trá-lo para o espaço público, faz ruído à sua volta, chama a atenção do poder político que, assim, fica confrontado com as suas próprias responsabilidades. Por outro lado, as comunidades online precisam ainda de fazer prova de vida, isto é, não podem tratar a realidade como um mero epifenómeno, um sinal eletromagnético ou uma série de eventos que se consome com grande voracidade. Dito de outro modo, as comunidades virtuais devem sair do modo representação ou do modo personagem se quiserem que a sua proposta virtual seja convertida em ação real e efetiva.
Na sociedade da informação e do conhecimento como criar, então, um território inteligente e criativo, um território-rede dotado de uma inteligência coletiva territorial onde o todo seja maior do que a soma das partes? Eis, pois, a minha proposta para delimitar um território-rede inteligente e criativo que possa ser aplicado, com vantagem, ao território de uma comunidade intermunicipal (CIM).
Em primeiro lugar, é necessário encontrar uma comissão promotora que seja representativa e competente e capaz de suscitar o entusiasmo inicial para a ideia de um território-rede-desejado. A CIM pode desempenhar esse papel.
Em segundo lugar, é necessário delimitar um território de partida, um território de referência CIM, que possua algumas marcas distintivas a partir das quais possa irradiar a primeira vaga de mobilização e adesão.
Em terceiro lugar, é necessário eleger os sinais distintivos territoriais, a distinção territorial, que seja a base de uma ação coletiva inovadora e fazer, se for caso disso, um primeiro ajustamento nos limites do território CIM.
Em quarto lugar, é necessário constituir uma estrutura de missão, um ator-rede ou curadoria territorial que substitua a comissão promotora e prepare a estratégia e o programa operacional da CIM.
Em quinto lugar, é necessário que a curadoria territorial conceba a iconografia do território CIM e o seu mapeamento gravitacional, não apenas para suscitar a adesão simbólica e identitária dos atores envolvidos no projeto, mas, também, para criar a base narrativa de uma estratégia de comunicação e marketing.
Em sexto lugar, é necessário conceber uma plataforma colaborativa CIM para aumentar a interação e a conexão colaborativas entre todos os parceiros do projeto, em especial, as diversas “comunidades inteligentes” que integram o território CIM.
Em sétimo lugar, é necessário promover a constituição de uma matriz de comunidades inteligentes no interior da CIM, cada uma funcionando de acordo com uma plataforma própria e em estreita ligação com a meta-plataforma CIM.
Em oitavo lugar, é necessário elaborar uma economia de rede e aglomeração CIM que monitorize a aplicação das medidas de política e a sua efetividade, os seus efeitos externos positivos e negativos, bem como a formação e repartição das novas cadeias de valor no espaço interno e externo das CIM.
Em nono lugar, é necessário elaborar sobre o valor cénico do território CIM e ensaiar uma espécie de coreografia territorial para o território CIM através de uma estratégia apropriada de marketing digital, em exclusivo ou em articulação com outras CIM.
Em décimo lugar, é necessário eleger os embaixadores do território CIM que serão os porta-vozes da distinção territorial do território, da sua imagem de marca e destino de eleição.
Nota Final
As primeiras fases são fundamentais e, em especial, a seleção dos signos distintivos territoriais (SDT) ou distinção territorial que é essencial para determinar a natureza e a inteligibilidade do território CIM, isto é, a qualidade de toda a interação e conexão digital e material posterior. Voltarei ao assunto num segundo texto de reflexão.
* António Covas - Jornal de Notícias -19 junho, 2024 
** Professor Catedrático da Universidade do Algarve