O Governo quer apertar as regras para viver e trabalhar em Portugal. Do Plano de Ação para as Migrações apresentado ontem por Luís Montenegro constam medidas como o fim do regime excecional que permitia a um estrangeiro entrar em Portugal com visto de turista e só depois pedir autorização de residência e a criação de uma estrutura de missão para regularizar os cerca de 400 mil processos pendentes na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
Em plena campanha eleitoral para as europeias, em que o tema das migrações tem sido dominante apesar de não fazer parte do top das preocupações dos portugueses, e numa altura em que ganha força a narrativa que associa os estrangeiros ao aumento da criminalidade, importa olhar para o assunto numa perspetiva social e económica e com a objetividade dos números. No ano passado, trabalhavam em Portugal quase meio milhão de estrangeiros, que representam 13,4% do total (em 2014 eram 55 mil). Os números são do Banco de Portugal, com base nos registos da Segurança Social, e revelam que uma em cada cinco empresas tem funcionários oriundos de outros países. Em dez concelhos - a maioria no Sul mas Cinfães está nesse lote -, os estrangeiros representam um terço da força de trabalho. Na pesca e na agricultura, são um quarto dos efetivos. Mas a verdade é que estão em todo o lado, principalmente nos empregos que os portugueses não querem.
Não espantará ninguém que os imigrantes ganhem bastante menos do que a média dos portugueses - 760 euros/mês os mais jovens e 781 euros os maiores de 35 anos, enquanto os nacionais auferem, em média, 902 e 945 euros -, mas há um dado do BdP que surpreenderá os mais distraídos: os estrangeiros têm mais qualificações do que os trabalhadores portugueses. E por fim outro número para desmontar o discurso da alegada carga que representam para o país: os estrangeiros contribuíram com 1861 milhões de euros para a Segurança Social e beneficiaram de apenas 257 milhões de euros em prestações.
Não há dúvida de que regularizar a imigração é uma urgência, até para dignificar as milhares de pessoas que legitimamente querem trabalhar cá. Mas é preciso não esquecer que sem os estrangeiros Portugal pára.
* Helena Norte - Jornal de Notícias -04 junho, 2024