6.5.23

OPINIÃO: Kindergarten

O episódio grotesco de um youtuber, convidado pela Iniciativa Liberal para gravar vídeos na Assembleia da República, a insultar António Costa diz menos do ato em si e de quem o praticou e mais do estado de degradação e de decadência das instituições e de quem as representa.
Custa a acreditar que o país mergulhou na total ausência de decência, mesmo repetindo até à exaustão o que aconteceu. Cenas de pancadaria num Ministério, mentiras e verdades, sem fronteiras, trocadas entre um assessor e um ministro a propósito de uma reunião entre o Grupo Parlamentar do PS e a ex-CEO da TAP, os serviços secretos metidos ao barulho.
E, depois disto tudo, mais encenação. O ministro Galamba, por acaso detentor de uma das pastas mais relevantes do Governo, a demitir-se quando sabia que a demissão não seria aceite pelo primeiro-ministro, o primeiro-ministro a esticar para lá do limite as relações com o presidente da República.
Já não temos um Governo. Vivemos tempos em que a política, pela qualidade dos protagonistas, se resume a um jogo de bastidores para ver quem encosta quem, quem se salva no final do dia. Em que o brilhantismo político, que deveria ser dedicado ao país, está enredado na tática.
António Costa vale-se hoje da teia tecida pelas sucessivas intervenções de Marcelo Rebelo de Sousa sobre os danos que seria mergulhar o país numa crise política, em plena crise económica e social. Mas ou o primeiro-ministro percebe a urgência de apresentar ao país novos ministros e secretários de Estado, gente de créditos firmados que não saia da jota, que não viva das manigâncias adquiridas noutras maiorias, ou não restará alternativa a Belém.
O presidente da República já não enfrenta a eventual ingovernabilidade de um Parlamento ainda mais fragmentado numas possíveis eleições. Enfrenta neste momento um Estado a desfazer-se e sem autoridade, cujo rosto maior pode vir a tornar-se ele próprio.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, o mais importante neste momento é preservar o papel constitucional da Presidência da República. Agir é dar prioridade à dignidade e autoridade da instituição que representa. Ou corre o risco da inversão do papel constitucional.
* Domingos de Andrade- Jornal de Notícias - 4.5.2023