24.4.23

OPINIÃO: Liberdade, amargo e doce o teu nome

Ouvimos politólogos e personalidades públicas dizerem que a liberdade é uma conquista inquestionável e que hoje, a caminho do meio século de Abril, a democracia atinge uma maioridade que deve tranquilizar-nos. Ouvimos, ao mesmo tempo, quem invoque temas como a desinformação e o crescimento da extrema-direita para sustentar riscos de fragilização e ataque à democracia. Embora antagónicas na aparência, as duas posições têm as suas razões, ou não fosse a liberdade só por si complexa, rosa cardo sangue, como Manuel Alegre descreveu nos seus poemas.
Se politicamente temos um regime estável, poderemos sempre colocar inúmeras questões quanto aos níveis de participação e aos pequenos (e grandes) vícios, do lado dos titulares de cargos públicos, que ameaçam a qualidade da democracia. Quanto mais todos, coletivamente, tivermos ferramentas para ser parte e exigir a quem tem particulares responsabilidades que desempenhe com rigor as suas funções, mais o sistema no seu todo será fortalecido, num desafio inacabado e diário.
Sem pessimismos, importa olhar de frente ameaças em espaços que se desejariam de pensamento crítico e livre. Asfixiada por dificuldades económicas, a comunicação social luta diariamente por manter o seu papel mediador com isenção e com capacidade de mexer em todos os poderes instalados. A universidade, onde se assiste a uma perigosa endogamia e a critérios de investigação afunilados em função do financiamento, sofre limitações difíceis de avaliar. E até o espaço da cultura, que se quer transgressor e agitador, não é totalmente livre, seja por falta de independência financeira ou pelo peso crescente de um policiamento moralista muito próximo da censura.
Claro que em paralelo temos dezenas de motivos para a esperança, do aumento de qualificações da população aos recursos tecnológicos que permitem debates alargados como nunca no passado aconteceu. Mas a informação não é por si só conhecimento, tal como a qualificação individual não induz necessariamente melhorias no que somos enquanto sociedade. A liberdade responsabiliza. É tarefa inacabada, que nos convoca a todos. Sem fantasmas, mas também sem minimizar perigos.
 * Inês Cardoso - Jornal de Notícias - 23.4.2023