Não sei se eram duzentos, trezentos ou quatrocentos. Não os/as contei, apenas os fui fotografando enquanto caminhavam, unidos pela tradição e pela vontade de agitarem os chocalhos, celebrando a Aleluia, a Ressurreição, a alegria do povo e o renovo dos campos. Tantas celebrações, numa só. Homens, mulheres, jovens e crianças, que se juntaram na aldeia de Salavessa para festejarem a Chocalhada, um hino à vida rural, à pastorícia e ao labor nos campos, cada vez mais abandonados e exauridos às vicissitudes dos tempos. Terras onde o xisto deixou as suas marcas, no chão das casas e dos caminhos, nas paredes dos palheiros e das furdas, disseminadas em redor da aldeia e que constituiram a base de uma sustentação económica e alimentar. Hoje, restam as ruínas, revisitadas, todos os anos, pelos visitantes que participam nesta iniciativa que é a um tempo, cultural, ambiental e gastronómica. A aldeia, quase deserta durante grande parte do ano, ganha uma vida nova nestes dias de festa e celebração. De união, também. Se há uma "marca" ou símbolo que se pode aplicar com consistência e verdade a esta aldeia no extremo norte do Alentejo é a de saber receber. Ou melhor, acolher. Eu percebi isso há mais de quarenta anos, ainda a "recuperação" da Chocalhada não tinha acontecido, ou pelo menos, não constituía a grande manifestação cultural e etnográfica com a dimensão e a força apelativa que hoje possui.
Deixo em paz as palavras. Há sensações, únicas, que vivi naquela aldeia. De alegria e tristeza. De amigos que ali conheci e que hoje, libertando o olhar, já não encontro. Partiram, quando ainda tinham muito para viver...
Este pequenino texto é, também, para eles, estejam onde estiverem...
Mário Mendes