Há alguns dias, uma jovem médica denunciou vários casos de má prática no Hospital de Faro. Denúncias semelhantes foram feitas recentemente no Amadora-Sintra por dois médicos. Ambos os casos imediatamente dividiram as opiniões e ressaltaram a necessidade de uma sociedade bem informada.
A falibilidade e a incerteza são indissociáveis do exercício da medicina e não são, objetivamente, sinónimo de má prática ou de negligência. Isto é, todos os médicos falham, sem que isso signifique que sejam incompetentes. Este é um facto que os utentes quase sempre ignoram ou esquecem.
A responsabilidade deste desconhecimento não pode ser apenas atribuída ao fraco grau de informação por parte dos utentes, habituados a terem que confiar no juízo e na ajuda dos médicos que, assim, são colocados num patamar de credibilidade que deixa pouca margem para aceitar o erro.
Durante décadas - na verdade, séculos -, a medicina foi uma das áreas do conhecimento mais fechadas e distantes da pessoa comum, funcionando debaixo de uma aura de mistério que, em grande medida, permanece ainda hoje.
Talvez com o receio resultante da confusão entre erro e má prática, os médicos habituaram-se a alimentar este mistério e a nunca admitirem a falibilidade e a incerteza do seu trabalho. Se esta atitude os preserva e permite manter alguma segurança, abre também as portas à desconfiança de quem está do lado de fora e mistura-se muitas vezes com um excesso de corporativismo.
Dificilmente os cidadãos informados e conhecedores dos seus direitos estarão, hoje em dia, dispostos a aceitar este corporativismo fechado sobre si próprio e olhado como meio de autodefesa. A responsabilidade é sobretudo dos próprios médicos, que devem ser capazes de transmitir uma mensagem simples e de ajudar a criar utentes informados: a falibilidade faz parte do exercício da medicina.
Ao optarem pela reação primária e mais simples de responder às acusações com apressados diagnósticos psiquiátricos, como aconteceu há dias, apenas prejudicam o seu trabalho e comprometem a confiança no sistema de saúde.
* Nuno Marques in Jornal de Notícias - 18.4.2023