O Governo não tem sabido lidar com a maioria absoluta. Por muito que António Costa se multiplique em explicações e garanta a tranquilidade da governação, o contraste com os executivos anteriores - o famoso período da geringonça - é notório. Nessa altura, o Governo conseguiu transmitir uma mensagem objetiva: havia um propósito e os portugueses percebiam-no, concordassem ou não com ele.
Agora, a situação mudou radicalmente. Nem o Governo consegue transmitir a sua mensagem, nem os portugueses conseguem perceber qual o propósito com que trabalha. E as duas partes vão-se mantendo enredadas numa malha dominada por uma contestação muito pouco sustentada.
Confundem-se as tricas da governação com as ações governativas e contestam-se ministros e secretários de Estado por questões que nada têm a ver com a sua ação política, mas sim com matérias laterais. De que, diga-se, os próprios intervenientes não se conseguem libertar.
Enquanto o Governo se desdobra na procura de uma rota para a governação, multiplicam-se os protestos de inúmeros setores da sociedade, também eles com rumos incertos e muitas vezes sustentados em motivos pouco sólidos ou até mesmo completamente opostos ao que é anunciado.
E essa multiplicação de protestos ameaça o sucesso dos objetivos pretendidos. Um destes dias, alguém vai reparar que em vez de lutar pelas suas causas, muitos dos manifestantes estão perdidos em causas alheias. E o resultado não vai ser bom para nenhuma das partes.
Qualquer manual de luta política aborda uma regra básica: nunca desperdiçar recursos em guerras inúteis. E, na verdade, é isso que tem acontecido: o Governo perdido em explicações vãs e pouco atento à verdadeira governação e os portugueses mais preocupados em protestar, sem terem muito bem a certeza sobre porque o fazem.
* Nuno Marques in Jornal de Notícias - 4.4.2023