A culpa, o pecado, a morte. Durante séculos, houve mais Sexta-Feira Santa do que domingo de Páscoa na vida da Igreja, obcecada pelo discurso moralista que tantas vezes mais não fez do que excluir, diminuir e carregar de sombras aqueles com quem deveria formar comunidade. Este ano é para dentro, e não para fora, que a hierarquia católica em Portugal tem de fazer profundos atos de contrição. Depois de um momento inicial em que faltou empatia e clareza na forma de lidar com os abusos sexuais, é hora de definir sem hesitações se o tempo é de efetiva mudança.
Não se pede, sequer, nada de revolucionário. Bastará que os bispos e sacerdotes sigam com fidelidade as orientações do Papa Francisco. Na escolha inequívoca do combate aos abusos e do afastamento de todos os que cometeram crimes abjetos, mas também na capacidade de abrir as janelas da Igreja a novos ares, tornando-a mais próxima daquelas que são as preocupações e aspirações da sociedade hoje.
Nos dez anos que leva de pontificado, Francisco foi efetivamente um pastor que procurou e acolheu cada uma das suas ovelhas, esforçando-se por não deixar perder as mais feridas. Abordou de forma nova o tema da homossexualidade, alterou o discurso sobre o aborto, mostrou-se aberto a rever o celibato dos padres, pediu o acolhimento de divorciados e mães solteiras, falou com os jovens sobre a "beleza do sexo", admitiu ser tempo de assegurar que a mulher tem espaço na hierarquia.
Num tempo em que aumentou o risco de pobreza, em que tantos se sentem sem esperança após o ciclo de pandemia e guerra, em que tantos fatores de discriminação e exclusão fomentam discursos agressivos, em que fundamentalismos xenófobos ameaçam a vida em sociedade, a Igreja só pode continuar a ter um papel ativo se parar de proteger-se a si própria para se colocar ao serviço das pessoas. Se carregar em si menos cinzas e morte, e for capaz da ressurreição que apregoa.
* Inês Cardoso in "Jornal de Notícias" - 8.4.2023