22.4.23

OPINIÃO: Parecer e já não ser

1. Já suspeitávamos que a Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP se transformasse num festim de revelações, mas a agitação partidária e institucional entretanto criada não deve desviar-nos da pergunta essencial: que TAP vai sair desta sangria pública e deste jogo de sombras e de traições? A que preço vamos vender uma companhia aérea que antes disto já estava tremendamente fragilizada? E quem, no seu perfeito juízo, vai querer pagar um preço justo por um ponto de interrogação do tamanho de um Airbus? Dizem-nos que há vários interessados, entre eles a Lufthansa, e que a capitalização pública (mais de três mil milhões de euros), a par do regresso aos lucros da transportadora, representaram um suplemento de alma determinante. Até pode ser que a TAP esteja mais enxuta, mas nenhum investidor estrangeiro vai deixar de olhar para os recentes atos de gestão (empresarial e política) como uma bomba ao retardador que, mais cedo ou mais tarde, lhe rebentará nas mãos.
2. Mas não se julgue, com isto, que os danos reputacionais infligidos à TAP pela Comissão de Inquérito (na verdade, os estragos foram cometidos bem antes, agora estão apenas a ser exibidos na montra) devem constituir um impedimento para que tudo seja esclarecido. Em particular este inacreditável desencontro de posições entre dois ministros sobre a existência do parecer que terá sustentado a decisão do Governo de demitir a ex-CEO da empresa. Ana Catarina Mendes não queria revelá-lo aos deputados para salvaguardar o sigilo de Estado (logo na TAP, onde todos os segredos são de polichinelo) e por a demissão de Christine Ourmières-Widener ter ocorrido numa fase posterior ao âmbito temporal da dita comissão. Um dia depois, Fernando Medina veio dizer que afinal não há parecer nenhum. E que tudo foi decidido tendo por base o já conhecido relatório da Inspeção-Geral de Finanças. Podemos, portanto, ficar descansados: não haverá ocultação de documentos ao Parlamento. Apenas uma redonda e descarada mentira ao país. E o mais do que provável pagamento de uma indemnização choruda à gestora francesa. O avião segue viagem. Mais descontrolado do que nunca.
* Pedro Ivo Carvalho in Jornal de Notícias - 22.4.2023