Há diplomas de relevo que passam pelo Parlamento sem que os cidadãos os percebam e sem que a discussão política se faça de forma plena.
É o caso do projeto de lei que previa a transferência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo para Coimbra, chumbado na votação final. A história conta-se em poucas linhas: apesar de ter estado mais de um ano na Assembleia, a proposta foi agendada à pressa em cima das eleições autárquicas, acabando diluída no barulho da campanha. Nessa altura baixou à especialidade, mas a mudança de sentido de voto do PS impediu agora a aprovação final.
Há demagogia em ambos os lados da discussão. O timing escolhido pelo PSD prejudicou uma discussão que se pretendia séria. Os argumentos do PS sobre a falta de estudos que fundamentassem a deslocalização acabam por soar a desculpa e a algum aproveitamento no voto inicialmente positivo. Em qualquer caso, a proposta surge desgarrada, sem uma leitura de conjunto que olhe para as instituições públicas como um todo e apresente uma lógica e estratégia de fundo para deslocalizações.
De erro em erro, persistem os vícios que mantêm o país completamente centralizado. No parecer que deram à proposta, os juízes do TC consideraram "desprestigiante" a saída da capital. Para justificar a importância de estudos sobre as consequências da mudança, o PS alegou que é preciso olhar à vida dos funcionários, como se esse fator tivesse sido atendido nas últimas décadas quando se encerraram centenas de serviços públicos no Interior e os trabalhadores foram deslocalizados.
A substância do problema persiste. E a tão prometida reforma do Estado, que começa por uma nova lei orgânica das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) promotora de uma verdadeira proximidade, vai igualmente ficando em banho-maria. Já que vamos entrar em campanha eleitoral, seria bom que todos os candidatos a primeiro-ministro dissessem com clareza que modelo de governação querem e que papel para as regiões. Apontando datas e objetivos concretos, ou andaremos sempre a contentar-nos com promessas de deslocalizar um ou outro serviço que não passam de um simulacro de desconcentração.
* Inês Cardoso in "Jornal de Notícias" - 7/11/2021