6.10.21

OPINIÃO: Contra a discriminação, doar sangue, doar!

 

O estudo do Instituto Ricardo Jorge concluiu que “não existe evidência científica que suporte a (…) suspensão da dádiva entre homens que têm sexo com outros homens”.
Discute-se no Parlamento esta quinta-feira um projeto de lei do PS para proibir a discriminação na dádiva de sangue de homens que fazem sexo com homens. Este projeto, que arrastou para a discussão projetos sobre a mesma matéria, entretanto submetidos pelo PAN, BE e pela deputada Cristina Rodrigues, visa acabar com uma saga que se arrasta há anos, dando força de lei à norma científica que a DGS publicou no dia 19 de março deste ano.
Sabemos o quão difícil foi chegar aqui. Há décadas que o movimento LGBT e deputados como Maria Antónia Almeida Santos se batem por esta causa. Nos anos 80, a pandemia do HIV/SIDA fez parecer que o sangue dos homens gay era de risco. O mesmo preconceito que deixou muitos morrer fez também com que os homens que fazem sexo com homens fossem proibidos de dar sangue. Em 2010, ainda o questionário preenchido pelos dadores de sangue perguntava se, “sendo homem, teve contacto sexual com outro homem”. Por pressão da Assembleia da República, isso foi corrigido, mas a prática continuou.
Os homossexuais estavam proibidos definitivamente de dar sangue até que, em 2016, a igualdade avançou, titubeante. A norma n.º 9/2016 assegurou que, nas palavras do Ministério da Saúde, “não são, nem serão, recusadas quaisquer dádivas devido à orientação sexual.” Todavia, a norma manteve uma suspensão temporária de um ano após o último contacto sexual com “subpopulações com risco infecioso acrescido”. O Ministério da Saúde dizia que essa definição “não é dependente da orientação sexual” mas o Instituto Português do Sangue achava que essa suspensão abrangia os homossexuais, como escreveu o responsável pelos seus laboratórios, dr. José António Duran, num email a um cidadão ainda em novembro 2020. Tanto havia discriminação que, em 2017, lançou-se um estudo para ver se ainda fazia sentido. Só que este atrasou-se e em 2021 não tinha conclusão à vista.
A pandemia deixou reservas de sangue escassas. Milhares de portugueses responderam ao apelo para dar sangue e foi posto a nu que o ato cívico de dar sangue estava vedado a qualquer homem gay que não praticasse o celibato. A Juventude Socialista, cidadãos e coletivos retomaram então esta luta. A 28 de janeiro propusemos ao Grupo Parlamentar do PS este projeto, que deu entrada pouco depois de a DGS rever a norma e permitir a dádiva de sangue pelos homens gay. Queremos isto na lei para não haver espaço para ambiguidades, como sucedeu em 2016, nem para recuos.
Agora ninguém mais cerra as portas que a ciência abriu!
Esta decisão venceu o preconceito não só por convicção mas também com ciência. O estudo do Instituto Ricardo Jorge concluiu que “não existe evidência científica que suporte a (…) suspensão da dádiva entre homens que têm sexo com outros homens”. Concluiu por análises individuais de risco, como já faz Itália, desde 2001, Espanha, desde 2005, Argentina, desde 2015, e o Reino Unido e a Hungria, desde 2020. Se esta quinta-feira avançarmos para proibir por lei a discriminação, afirmaremos outra conclusão, parafraseando Ary - Agora ninguém mais cerra as portas que a ciência abriu!

Miguel Costa Matos - Público - 6 de Outubro de 2021