2.10.21

SUICÍDIOS NO ALENTEJO: Médicos reclamam meios para "combater esta tragédia"

A taxa de suicídio no Alentejo é o dobro da média nacional. A depressão, demência e ansiedade registam na região também os valores mais altos do país. Falta de recursos humanos, pobreza, iliteracia e desemprego são causas apontadas. Especialistas criticam a “naturalização” desta realidade.
A conclusão parte dos últimos dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística, referentes a 2017. Na região alentejana há 54,2 mortes por suicídio por 100 mil habitantes, quando a média do restante território nacional se situa nas 22,4. Paralelamente, os problemas de depressão, ansiedade e demência registam níveis bastante acima do resto do país.
Em 2017, foram registadas mil mortes por suicídio e cerca de 200 pessoas tinham entre 45 e 54 anos. As vítimas são sobretudo homens, com 43,6 óbitos por 100 mil habitantes na região, contra 17,4 a nível nacional.
O suicídio é a principal causa de morte em crianças e jovens adultos portugueses. Uma em cada seis mortes ocorre em pessoas com idades entre os 10 e os 29 anos e a depressão, que afetou 716 mil portugueses em 2019, multiplica por 20 a hipótese de suicídio.
Em declarações ao Jornal de Notícias, a diretora do serviço de Psiquiatria do Baixo Alentejo, Ana Matos Pires, considera que “o isolamento [da região] é certamente importante, mas é na precariedade brutal de recursos humanos que coloco o acento tónico”.
A psiquiatra relembra que “quando aqui cheguei, em 2013, havia um psiquiatra reformado e um outro colega que fazia 16 horas de trabalho por semana”. Em contraste, “hoje somos, para todo o território do Baixo Alentejo, quatro psiquiatras e três prestadores de serviço. Está bom de ver que não se resolve um problema de décadas e com esta gravidade com tão escassos recursos”, conclui.
Esta posição é acompanhada por Sofia Tavares, da Associação Sobre Viver Depois do Suicídio, uma associação com sede em Évora, criada este ano para ajudar e apoiar o sobrevivente e combater o estigma em volta do suicídio. “Num país tão pequeno como o nosso não faz sentido a existência de assimetrias tão grandes na distribuição de recursos humanos. A falta de estruturas de apoio médico e psicológico é gritante no Alentejo. A isso soma-se, ainda, a dificuldade de acesso aos serviços e a falta de sensibilização das pessoas”.
Para Sofia Tavares, "Há até uma espécie de "naturalização" desta realidade no Alentejo. As representações culturais associados a esta prática, como a resignação e o fatalismo, devem ser consideradas na análise deste fenómeno". Por isso, Ana Matos Pires reclama a "elaboração de um estudo científico que aprofunde todos os fatores de risco", de modo a conhecer em profundidade a realidade alentejana. "Há muitos "achismos", e do que precisamos mesmo é de instrumentos que nos ajudem a combater esta tragédia", conclui.
in Esquerda.net - 29/9/2021