10.11.19

OPINIÃO: A vida não pode ser um negócio

No artigo de opinião, “As vidas dos outros”[1], a eurodeputada Marisa Matias responsabiliza a maioria de direita, com destaque para três eurodeputados portugueses, que votaram contra a única proposta que podia atenuar a tragédia humanitária no mediterrâneo. Foi a derrota de quem defende a solidariedade e que por dois votos, venceu quem defende criminalizar as «pessoas e organizações que trabalham para salvar vidas»[2]. Esta votação fez delirar a extrema-direita europeia, que se ri de uma Europa em decadência e a criar desumanidade.
Por falar em solidariedade, neste mesmo parlamento europeu foi aprovada uma diretiva sobre sangue, tecidos e células estaminais e aqui, como nem a direita conseguiu acautelar os gritantes negócios das multinacionais, foi necessária a intervenção antidemocrática da Comissão Europeia, para garantir o vergonhoso negócio nesta área, em especial por parte dos EUA que, também, pouco quer saber de solidariedade.
Algumas entidades responsáveis estão preocupadas com as questões relacionadas com o futuro da dádiva do sangue. É triste percebermos que na Ásia e América Latina, a promoção da dádiva benévola de sangue, está muito longe do que preconiza a OMS, que incentiva os Estados a promoverem a dádiva não remunerada, mas, também, nada diz em relação ao movimento associativo, que garante sangue seguro para todos. Mas, mais estranho, é perceber que os países do norte da Europa, pouco se importam com esta solidariedade.
Segundo a ONU, mais de três dezenas de países não têm condições para testar e garantir a dádiva. Apesar das dificuldades, Portugal é uma boa referência, graças ao movimento associativo. Após muita luta, já aproveitamos com limitações, plasma dos nossos dadores. Neste campo, é urgente investir mais e do Canadá, chega a boa notícia da abertura de três centros de colheita de plasma por aférese.
No fracionamento dos 450 ml de sangue doado, separa-se os glóbulos vermelhos, plaquetas e plasma, que se subdivide em mais preciosos componentes para medicamentos plasmáticos, muito procurados nos tratamentos de quimioterapia, doenças crónicas raras e virais. Ao contrário da China, o Canadá recusa assim, entrar no criminoso comércio deste órgão em que os EUA são líder.
Nesta área, o mundo está muito desequilibrado e se do Congo Democrático, temos notícias de dificuldades, porque chegam a faltar bolsas para as colheitas de sangue, na Argélia assistimos a um aumento de 9.4% nas dádivas, que se deveram ao aumento dos centros de transfusão de sangue nesse país e a medidas de segurança, promovidas pelo ministro da saúde argelino. Como motivo de preocupação mundial, regista-se o facto de as empresas privadas estarem a ganhar terreno, questão que deve ser objeto de discussão na Comissão Europeia, tendo em vista as devidas alterações na Diretiva Europeia sobre sangue, tecidos e células.
No mundo, é importante seguir os exemplos do Canadá e da Argélia, mas também, transmitir estilos saudáveis de vida de forma a termos mais dadores e menos recetores. Como “imperativo categórico” (“aja apenas com a máxima de que você também deseja que ela se torne uma lei universal”)[3], recordo o filósofo Immanuel Kant que atribuiu à ética uma grande importância e por falar nessa importância, as autoridades mundiais devem opor-se a que se faça negócio com o sangue e com os seus derivados.
A dádiva é um direito humano fundamental e um dever da sociedade; a Dádiva não remunerada é a via para evitar sangue contaminado; o sangue liga-nos a todos. Os sinais são preocupantes, em Portugal reduzem-se e cancelam-se colheitas, dadores já foram impedidos de doar o seu importante e necessitado sangue por falta de pessoal, ou de meios e para agravar, o movimento associativo está a ser desprezado. Não podemos permitir que se destrua um trabalho de décadas e que se regresse ao tempo em que morriam pessoas por falta de sangue.
Vivemos num mundo que assiste impávido às tragédias do mediterrâneo, ao tráfico humano, ao negócio de armas para matar pessoas e ao negócio com órgãos humanos. Parafraseando a eurodeputada Marisa Matias no seu artigo “As vidas dos outros”, na dádiva, podemos falar das vidas de todos e numa coisa temos que nos entender e avisar os responsáveis, é de que, a vida não pode ser um negócio.
Paulo Cardoso -08-11-2019 - Programa "Desabafos" / Rádio Portalegre
NOTAS:
1] Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 26 de outubro de 2019
[2] https://www.esquerda.net/opiniao/vidas-dos-outros/64023
[3] Handle nur nach derjenigen Maxime, durch die du zugleich wollen kannst, dass sie ein allgemeines Gesetz werde – Immanuel Kant: AA IV, 421[5]