No início do século XX, o desejo de dotar Portugal de asas levou à publicação do decreto que criou a escola de aviação militar em 1912. Esta levaria alguns anos a sair do papel, mas a quase totalidade dos nossos pilotos pioneiros passou por lá.
A Aeronáutica Militar viria a ser criada em 14 de Maio de 1914 com o primeiro concurso para dez pilotos ocorrido em 14 de Agosto de 1915.
A primeira Escola de Aeronáutica Militar tinha as instalações em Vila Nova da Rainha, concelho de Azambuja e é ao Chefe desta entidade que a Câmara de Nisa se dirige por ofício datado de 13 de Março de 1917, aludindo a uma circular recebida do Governo Civil do Distrito de Portalegre.
Carta ao Chefe da Escola de Aeronáutica Militar - Vila Nova da Rainha
"Satisfazendo a circular nº 1 do Governo Civil deste Districto, a Comissão Executiva desta Câmara Municipal de Nisa cumpre informar Vª Exª que muito perto desta vila há um campo que satisfaz amplamente as condições exigidas para um recinto de "aterrisage" carecendo apenas de uma pequenina despesa para limpar de algumas pedras soltas e aplanar umas ligeiras depressões do terreno".
(a) JFragoso
O assunto não deve ter merecido a atenção devida por parte dos responsáveis da Escola de Aeronáutica Militar ou, possivelmente, terão considerado outras ofertas. A Câmara de Nisa, porém, não desistiu dos seus intentos e em carta de 17 de Setembro de 1919 (mais de 2 anos depois) volta a insistir na disponibilização do terreno, juntando, para o efeito, novos argumentos.
Carta ao Chefe da Escola de Aeronáutica Militar - Vila Nova da Rainha
"Em aditamento ao ofício nº 31 de 13 de Março de 1917, venho novamente lembrar a Vª Exª quanto seria vantajoso estabelecer-se nesta vila um campo de aterrisagem, não só pelo motivo de esta vila se encontrar muito perto da fronteira espanhola, como também pela situação ao norte da vasta planície do Norte-Alentejo e no terminus dos contrafortes das serranias que da Beira Alta descem até ao sul da Beira Baixa.
O campo, como já se disse naquele citado ofício, é a menos de um quilómetro desta vila, de uma extensão enormíssima donde se pode talhar à vontade um rectângulo que satisfaça plenamente a todas as exigências.
Esta Câmara Municipal prontifica-se à sua custa, não só a adquirir e a ceder gratuitamente à Aeronáutica Militar do Paiz o citado terreno, como a mantel-o sempre em estado satisfatório, para o fim a que se destina.
É um melhoramento que se afigura de alto interesse para Portugal e por isso é de toda a oportunidade o oferecimento que em nome da Comissão Executiva da Câmara Municipal o signatário apresenta, aguardando com interesse a aquiescência de Vª Exª".
(a) Peliquito
Não conhecemos a resposta da Escola de Aeronáutica Militar, se é que a houve, mas a Câmara não deixou "morrer" o assunto que constava na convocatória da sessão extraordinária no dia 9 de Dezembro de 1919 e que se transcreve:
4/12/1919 - Convocatória
"Sendo de absoluta necessidade reunir-se extraordináriamente a Câmara da digna presidência de Vª Exª afim de serem tratados os seguintes assuntos:
a) Aprovação do Orçamento Ordinário para 1920
b) Alteração à postura sobre polícia de cães
c) Resolver definitivamente sobre o alargamento da nova rua que se projecta abrir, da rua Alexandre Herculano à Fonte da Pipa
d) Representar para o estabelecimento de energia eléctrica nesta vila, dimanada de fábrica produtora em construção nas quedas do Zêzere.
e) Sobre o oferecimento de um campo de aterragem para aeroplanos, visto o magnífico local estratégico que este local do Paiz oferece (entre Tejo e Guadiana) para a entrada daqueles aparelhos estrangeiros.
Venho rogar a Vª Exª a subida fineza de mandar convocar tal reunião para o dia e hora que julgar mais conveniente.
(a) Peliquito
Nada mais se sabe sobre esta pretensão da Câmara de Nisa. O que se conhece é o que nos mostra o filme realizado em Maio de 1932 por ocasião da visita (a primeira) de um Presidente da República a Nisa, neste caso, o general Carmona, cujo programa da visita integrou uma imponente exibição de aeronaves no sítio da Maria Dias, próximo da vila, que se julga ser o local referido nas missivas da Câmara à Escola de Aeronáutica.
Como dizia o Baptista Bastos: "Isto anda tudo ligado!" Há cem anos, o município nisense procurava estar na vanguarda do progresso, através da aviação. Um século depois, quem sabe, se, inspirada na mesma veia "iluminada", a Câmara lançou, em três tempos, o projecto da barca futurista do século XXI, que se cansou, antes de começar.
É caso para lembrar aquele fado: "Se a barca ficar parada / No rio sem navegar / Não te rales, que eu também não /O euro milhões, há-de chegar!
Mário Mendes