Rejeitemos ilusões otimistas ou tentações megalómanas: o
Eurogrupo não deixará de ser o Eurogrupo por ter Mário Centeno como presidente,
e Mário Centeno não deixará de ser Mário Centeno por presidir ao Eurogrupo. O
organismo que reúne os ministros das Finanças da Zona Euro é um dos exemplos
por excelência do autoritarismo europeu. Apesar de não ter existência formal
nos tratados europeus, tem um enorme peso nas decisões que afetam milhões de
pessoas, incluindo em Portugal.
Foi deste Eurogrupo que vieram as orientações de austeridade
durante a crise, impostas à força a democracias nacionais e soberanas. E foi
este Eurogrupo que expulsou o ministro das Finanças grego quando, em 2014, este
recusou as orientações da União Europeia. E foi também o Eurogrupo que assistiu
às declarações xenófobas do seu anterior presidente ou do ministro das Finanças
alemão contra Portugal.
E mesmo dentro deste organismo, é preciso não confundir quem
é quem. O presidente do Eurogrupo não é um superministro das Finanças a nível
europeu. Esse lugar continua, como no passado, reservado ao ministro das
Finanças alemão, que foi quem comandou as políticas agressivas de austeridade
contra os países da periferia europeia.
Pode, então, Mário Centeno, porque é português e pertence a
um governo do PS, fazer a diferença na presidência do Eurogrupo? A resposta
deve ser realista.
Tanto Durão Barroso, nomeado presidente da Comissão
Europeia, como Constâncio, nomeado vice-governador do BCE, são portugueses. E
nem por isso a austeridade foi menos violenta, ou os nossos bancos foram
protegidos da venda aos conglomerados europeus. Quanto a famílias políticas,
não podemos esquecer que Dijsselbloem, anterior presidente do Eurogrupo,
pertencia ao Governo socialista holandês.
Sabemos que não ouviremos de Centeno qualquer discurso
xenófobo a propósito dos países do Sul. Mas isso não significa que a política
de austeridade dirigida a estes países sofra alterações. Embora condicionado
pelos acordos à esquerda, a posição do ministro das Finanças português tem sido
de aceitação e execução das regras de Bruxelas. Mais tarde ou mais cedo, a
política monetária do BCE irá mudar e estarão em cima da mesa propostas de
maior centralização de poderes em instituições europeias não democráticas. Isto
sem falar na possibilidade de novas crises, para as quais os mecanismos de
resposta a nível europeu se mantêm inalterados. Centeno pode vir a encontrar-se
no lugar de arauto da continuidade de políticas agressivas contra a periferia e
de aprofundamento de uma integração europeia antidemocrática.
Não tenhamos ilusões. A União Europeia e as suas várias
instituições já deram provas de enorme resiliência, mesmo contra a maior
contestação popular. Se Mário Centeno fosse uma ameaça ao seu status quo, não
seria hoje presidente do Eurogrupo.
Mariana Mortágua in “Jornal de Notícias” – 5/11/2017