SAUDADE...
É noite de Natal... Lá fora a neve
branca
Cai silenciosamente; e todo o
povoado
É um canto de luz, um ninho
abençoado,
Uma ardente oração a Deus sublime e
franca!
Sorrisos de alegria emanam dos
casais,
Uma onda venturosa esparge em cada
lar
Uma chama de amor, brilhando em cada
olhar,
Carícia de Jesus nas almas
imortais!...
Só ele o pobre velho, o órfão de
carinhos,
Treme de frio; e a fome empresta
amargo pranto
Ao seu cansado olhar, que busca em
cada canto
O seu saudoso lar de fogos
pobrezinhos!
Nascera lá na serra havia muitos
anos...
Ali passara sempre a vida
descuidada,
Ali crescera e amara a moça mais
prendada,
Triste manancial de tantos
desenganos!
Um dia, ela morreu... tocavam as
trindades...
O vento soluçava e as aves nos
beirais
Pareciam chorar... e as vozes dos
trigais
Eram sentida prece, um hino de
saudades!
Depois... ele partiu! Levava para
longe
As mil recordações dos tempos que
passaram,
Correra o mundo inteiro e nunca se
acabaram
As lágrimas de dor no seu viver de
monge!
Sentia-se vélhinho... iria prós
oitenta...
Q´ria ver outra vez a terra, onde
nascera,
Q´ria sentir ainda o gozo da
quimera...
Um frémito de amor o peito lhe
acalenta!
Sentia-se já perto... eram as mesmas
águas
Correndo mansamente, as mesmas casas
velhas,
O mesmo tilintar de guisos das
ovelhas,
A mesma campa em flor, jardim das
suas mágoas!
Sentia que revivia a sua mocidade,
O seu corpo de velho à luz
sentimental
Do abençoado ninho em noite de
Natal,
Á sombra enganadora e vã da
realidade!
- José Gomes Correia (poeta nisense)