Assinalaram-se no
passado mês de Setembro duas datas referentes a Joaquim Mendes dos Remédios, um
nisense ilustre, que foi Ministro da Instrução Pública e Reitor da Universidade
de Coimbra: a 21 de Setembro, 150 anos do seu nascimento; a 30 de Setembro, 85
anos sobre a data do seu falecimento, ocorrido em Montemor-o-Velho. Efemérides
que evocamos para lembrar o professor, o académico, o escritor e o cidadão nascido
em Nisa e a quem, só muito tardiamente, foi reconhecido o mérito intelectual e
a prestação da homenagem pública de que era credor.
Há 150 anos, numa casa humilde no Rossio de Nisa, nasceu o Prof.
Dr. Joaquim Mendes dos Remédios “um dos mais notáveis ornamentos da
Universidade de Coimbra e operoso cultor das Letras pátrias” na definição do
professor Abel Monteiro.
Filho de Albino Mendes e de Maria José Curado, Joaquim
Mendes dos Remédios nasceu a 21 de Setembro de 1867, e faleceu a 30 de Setembro
1932, aos 65 anos de idade, no lugar de Santo Varão, concelho de
Montemor-o-Velho, sendo sepultado em Coimbra.
Fez os seus estudos preparatórios no Seminário de Portalegre,
onde a vida não se lhe revelou fácil, devido aos horários rígidos dos
seminaristas, tendo sido transferido para Coimbra, por ordem do Dr. Francisco
Martins, mecenas de outros estudantes laureados, devido à revelação da sua
capacidade intelectual e amor ao estudo, onde frequentou a Faculdade de
Teologia, na qual se matriculou em 15 de Outubro de 1888.
É ainda no Seminário, em conjunto com um grupo de rapazes,
também eles de Nisa, que se começam a revelar os seus dotes literários, “porque a gentes de Nisa foram sempre de
propensão especial para todas as manifestações da inteligência, afirmadas nas
suas artes e industrias locais, (rendas e cerâmica)- no amor ao estudo e na
firmeza com que conservam puros alguns dos seus tradicionais costumes
(vestuário e vários usos)”. (1)
«O Primeiro Nisa» foi o pseudónimo com que se identificou em
quase todos os textos escritos, e até mesmo depois, para o Almanaque de
Lembranças, para onde escreveu até 1890.
Data de 1886
a primeira publicação de Joaquim Mendes dos Remédios.
Tratou-se de um logogrifo em verso e em acróstico, intitulado “Aos estudantes de Nisa”. Em 1887 publica
“No cemitério”, com dedicatória “Ao
meu estimável amigo António Basso Marques” e no ano em que inicia os seus
estudos na Faculdade de Teologia em Coimbra, edita um conto, desta vez, com
dedicatória ao “meu dedicado amigo e primo A. J. Curado”.
No ano de 1889, dedica “Esperanças Mortas” ao “meu simpático
e verdadeiro amigo J. da Cruz Miguéns”. O ano de 1890 fica marcado por ser o
último em que o futuro professor escreve para o Almanaque das Lembranças, despedindo-se assim, com uma publicação
intitulada “Jaime”.
Joaquim Mendes dos Remédios não abandona a sua paixão pela
arte literária, e em 1891 publica “Pátria
e Família”.
No ano seguinte (1892) termina o bacharelato e a 18 de Junho
de 1893 completa a formatura. A 15 de Fevereiro de 1894 termina a licenciatura.
Nos dias 6 e 7 de Março de 1895 fez acto de conclusões magnas e no dia 28 do
mês seguinte termina o doutoramento, tendo obtido o primeiro despacho para o
magistério superior, que viria a iniciar a 04 de Janeiro de 1896.
Desde 1898 até á sua morte, dirigiu a colecção Subsídios
para o Estudo da Literatura Portuguesa, que inclui várias obras as sua autoria.
Com a extinção da Faculdade de Teologia e a construção do
edifício da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, a qual lhe mereceu
um forte interesse da parte do Professor, Mendes dos Remédios passou a integrar
o corpo de professores catedráticos dessa mesma Universidade, notabilizando-se
como especialista em História da Literatura Portuguesa e investigador
prolífero.
Entre os anos de 1900 a 1913 desempenhou o cargo de Secretário
da Biblioteca da Universidade e em simultâneo entre os anos de 1911 e 1913
exerce as funções de secretário da Faculdade de Letras até 1925.
Em 1911, em conjunto com David Franco Mendes, Joaquim Mendes
dos Remédios edita o livro intitulado Os Judeus Portugueses em Amesterdão,
tornando-se na sua obra mais célebre.
No ano posterior edita o primeiro volume da Revista da
Universidade de Coimbra.
No espaço de tempo em que dirige as duas bibliotecas
(1811-1813), cria os gabinetes de cimélios, super-libris e ex-libris; funda o
Arquivo Bibliográfico e organiza a colecção de numismática.
É neste período temporal de dois anos (1911/1913), que
Mendes dos Remédios assume também as funções de Reitor da Universidade de
Coimbra, representando as faculdades de Letras de Lisboa e Coimbra no Conselho
Superior de Instrução Pública e alcança o cargo de Secretário do Conselho de
Arte e Arqueologia da Segunda Circunscrição.
Nos anos de 1918 e 1919 volta a desempenhar o cargo de
reitor da Universidade de Coimbra e de 1925 a 1930 dirige a Faculdade de Letras
daquela Universidade, criando os «Cursos de Férias da Universidade»; os
institutos de culturas estrangeiras; as publicações da Sala francesa; a revista
Biblos e o Boletim do Instituto Alemão.
No ano da Revolução de 1926, ascendeu a Ministro da Instrução
Pública, no célebre Governo presidido por Mendes Cabeçadas, uma passagem
efémera (de 3 a
19 de Junho de 1926) pelo governo da Nação, distinção que conquistou «não pelos
caprichos da fortuna ou pelo patrocínio dos amigos poderosos, mas, somente,
pelo imperioso prestígio dos seus dotes intelectuais e morais” como referiu
Eugénio de Castro a quando do seu falecimento.
«Nascido em humilde e
pobre berço e órfão de pai, quando do mesmo berço não se distanciara muito, compreendeu,
sendo ainda uma criança, que o destino o arvorara em precoce protector da mãe e
das irmãs desamparadas e, corajosamente, aceitou um tão pesado encargo, ao qual
sacrificou, logo de princípio, as suas aspirações juvenis e, depois com
admirável abnegação, toda a sua austera vida de generosa renúncia e de contínuo
trabalho.»
É com estas palavras que Eugénio de Castro sintetiza a vida
do Professor Mendes dos Remédios.
Uma vida ao serviço da Universidade
Joaquim Mendes dos Remédios dedicou a sua vida ao serviço da
elevação da Universidade de Coimbra, tendo-se interessado pela construção do
edifício da Faculdade de Letras e pela criação dos Cursos de Férias da
Universidade, uma inovação para a época. A par do seu labor intelectual como
professor, investigador e escritor, deixou uma importante e vastíssima obra no
campo da literatura clássica e didáctica.
De entre as suas publicações, destacam-se: História da
Literatura Portuguesa, Introdução à História da Literatura Portuguesa – obra
que integra 23 volumes dos trabalhos mais notáveis de Sá de Miranda, Gil
Vicente, Camões e outros -; Os Judeus em Portugal; Os Judeus Portugueses em
Amesterdão; Filosofia Elementar; Pátria e Família; Sousa Martins e a Serra da
Estrela; Cartas Inéditas de D. Pedro V; Uma bíblia hebraica na Biblioteca da
Universidade de Coimbra; Moedas romanas da Biblioteca da Universidade de
Coimbra; As Horas de Nossa Senhora da Biblioteca da Universidade de Coimbra;
Filomeno de S. Boaventura; Carta exortória aos padres da Companhia de Jesus; Camões,
poeta da fé; As comédias de Sá de Miranda; Lessing, fabulista na Literatura
Portuguesa; e muitas conferências.
Sendo um destacado e notável intelectual nisense, de grande
prestígio e actividade no século passado, só muito tarde a vila em que nasceu lhe
prestou as honras devidas e a homenagem de que era, justamente, merecedor.
Em 1967, por ocasião do centenário do seu nascimento, Abel
Monteiro, director do jornal “Correio de Nisa” dedicava-lhe um Editorial que
era, ao mesmo tempo, um alerta às entidades públicas sob o título “Uma dívida
em Aberto”.
Dívida que só foi saldada após o 25 de Abril, em 1987, numa
homenagem pública, com sessão solene e conferência, sendo-lhe atribuída, a
título póstumo, a Medalha de Mérito Municipal e o seu nome atribuído a uma das
ruas da vila, a antiga Rua Vale D´Ordens.
Mais tarde e desde 15 de Maio de 1996, a Escola Básica dos
2º e 3º ciclos / Secundária Professor Mendes dos Remédios em Nisa, escolheu-o
para seu Patrono, por proposta do Conselho Pedagógico que foi aprovada pela
Direcção Regional de Educação do Alto Alentejo, merecendo o parecer positivo da
Câmara Municipal de Nisa.
Falta ainda a lápide a assinalar a casa onde nasceu e
residiu na actual Praça da República, em Nisa, no local designado por
“Marouços” e imóvel pertencente aos herdeiros de José de Oliveira Fronteira.
Mendes dos Remédios e a Problemática dos Judeus
A vila de Nisa, parece ter sido fadada como berço de
escritores que, através das suas obras mais representativas, primaram em dar a
conhecer, a Portugal e à Europa, aspectos pouco conhecidos e até desconhecidos,
sobre a maneira de viver de povos ou comunidades.
Refiro-me, concretamente, aos casos do Padre Álvaro Semedo e
de Joaquim Mendes dos Remédios, ambos nascidos em Nisa, o primeiro em 1585 e o
segundo cerca de três séculos depois, em 1867.
O padre Álvaro Semedo, depois de ter estudado no Colégio de
Jesuítas, em Évora e ter ingressado nesta ordem religiosa, rumou ao Oriente,
como missionário, tendo, como eclesiástico, desempenhado importantes funções e
dado um importante e insubstituível contributo para a história das relações
luso-chinesas e para o conhecimento europeu sobre o Oriente, através da sua
obra “Relação da Grande Monarquia da
China”, cuja primeira edição, curiosamente, foi editada em castelhano,
aparecendo o autor com o nome de Alvarez Semedo.
No início do século XX eis que outro nisense, Joaquim Mendes
dos Remédios retoma, de forma brilhante, e por incumbência da própria
Universidade de Coimbra, onde leccionava, a problemática das religiões e dos
modos de vida/cultura, tratando-se, aqui, não de outros povos e territórios
distantes, mas de uma comunidade, a hispano-lusa, perseguida e obrigada ao
exílio forçado pelo “delito” de expressão do credo: os judeus.
A missão atribuída a Mendes dos Remédios consistia na
investigação, estudo e caracterização da comunidade judaica portuguesa em Amesterdão. Refira-se ,
que a missão, na qual gastou três meses, incluía também a pesquisa em
bibliotecas e instituições espanholas (Madrid) na “peugada” de um códice sobre
o Infante Santo (D. Fernando) investigação, igualmente bem sucedida e que lhe
permitiu a edição de obra sobre o mesmo tema.
Estes trabalhos surgiram como consequência da sua formação
inicial em Teologia e de investigador no âmbito da “História da Literatura
Portuguesa” e também pela sua apetência e natural propensão para o estudo de
uma área/realidade sobre a qual ainda pendiam alguns “temores” e de que já
tinham sido dados à estampa alguns contributos importantes, como é o caso, por
exemplo, dos três volumes sobre a “Consolaçam às Tribulaçoens de Israel”, por
Samuel Usque, a ópera jocosa-séria das “Guerras do Alecrim e da Mangerona”, de
António José da Silva (o Judeu), e não menos importante, a obras “Os Judeus em
Portugal” e um folheto de divulgação e análise sobre “Uma Bíblia Hebraica na
Biblioteca da Universidade de Coimbra”.
Posto isto, levantamos um pouco o véu e perguntamos: era
Joaquim Mendes dos Remédios, judeu ou descendente de famílias que professavam o
judaísmo?
A importância de “Os Judeus Portugueses em Amesterdão”
A mais conhecida obra de Joaquim Mendes dos Remédios é o
livro intitulado: “Os Judeus Portugueses em Amesterdão”, editado conjuntamente
com David Franco Mendes e integrada na colecção Monvmenta Ivdaica
Portvcalensia, dirigida por Manuel Cadafaz de Matos e H. P. Salomon e de cujo
conselho editorial em Portugal, fazem parte nomes como António José Saraiva
(Universidade de Lisboa); Artur Anselmo (Universidade Nova de Lisboa), Humberto
Baquero Moreno (Universidade do Porto) ou Maria José Pimenta Ferro Tavares
(Universidade Nova de Lisboa).
A relevância desta obra, reside no indiscutível contributo
que representa quer para o estudo da “Questão Judaica”, quer da própria
História das Ideias.
Os escritos de David Franco Mendes e J. Mendes dos Remédios
reunidos sob o título “Os Judeus Portugueses em Amesterdão” focalizam uma época
que é, simultaneamente, de repressão e de perseguição religiosa, seja na
Península Ibérica ou em França, e de respeito pela liberdade individual e de
culto, existente nas províncias unidas (Países Baixos ou Holanda).
A este respeito, diz-se, na obra de David Franco Mendes: “ En ninguna parte del mundo tienem menor
recelo que en Amst (erda)m tanto p(o)r la libertad de conciencia de las 7
Prov(incia)s quanto p(o)r la bondad de sus Ingeniosos moradores... “
A obra dá aos leitores e estudiosos um impressionante
conjunto de informações capazes de contribuírem para a elaboração de um
“retrato” cultural, religioso, etnográfico, psicológico, social e económico,
dos judeus portugueses ( e espanhóis) na Holanda dos séculos XVII e XVIII.
A partir desta obra é possível abrirem-se outras portas e
janelas para o estudo, análise, divulgação de uma área do conhecimento e da
História Portuguesa pouco explorada e ainda menos conhecida: a epopeia dos
Judeus em Portugal.
E esta será, seguramente, a principal virtude e o maior
mérito da obra que David Franco Mendes e Joaquim Mendes dos Remédios fizeram
ver a luz da claridade.
Notas
(1) Tude Martins
de Sousa in “Estudos Dispersos”
Mário Mendes in "Alto Alentejo" - 29/11/2017