João Parracho: Um alpalhoense em
Azay
A saga da emigração
portuguesa para França, retratada na “mala de cartão” da Linda de Suza (quem se
lembra dela ainda, quem?) ou no filme “ O Salto” está ainda bem viva na memória
de quem protagonizou, directa ou indirectamente, essa admirável aventura, cheia
de risco, incerteza e, por que não dizê-lo, de medo. Corriam os anos 60 e o
espectro do recrutamento militar pairava sobre milhares de jovens portugueses,
aliciados para combater no Ultramar.
Nos campos, estalava a
“crise” na agricultura. Sobravam os braços, despertava a consciência social, ao
mesmo tempo (e talvez por isso) que faltava o salário justo e o pão para a boca
de muitas famílias. Estavam criadas as condições para a debandada em massa, de
milhares de portugueses, rumo ao estrangeiro e levando na bagagem, na mala de
cartão, um número insondável de sonhos e esperanças.
João Rovisco Parracho não é
um dos protagonistas desta história. A sua “aventura francesa” começou um pouco
mais tarde, ainda antes do 25 de Abril. A bem dizer começou em Nisa, onde os
jogos de futebol o traziam, amiúde, a ele, alpalhoense, de sotaque
inconfundível. Pequeno, franzino, fazia da velocidade e capacidade de choque,
as suas “armas” futebolísticas. Como todos os jovens daquele tempo, a bola,
serviu-lhe para ir deitando o olho, aqui e ali, à procura de namoro. E foi em
Nisa, justamente, que viria a encontrar a futura esposa. Pelo meio meteu-se a
tropa, quase três anos a marcar passo e a adiar o futuro. Mas tudo tem um fim e
em Janeiro de 1973, ei-lo, a caminho de França, com um contrato, legal, no
bolso e a promessa de trabalho garantido na Michelin, por um ano. Ficou um ano
e mais trinta, até Maio de 2005, sempre a trabalhar na grande empresa de
fabrico de pneus, onde garantiu o sustento para si, para a mulher e o filho,
nascido em terras gaulesas há 32 anos.
Em 2005 arrumou as botas,
melhor dizendo, os pneus e passou à situação de pré-reforma. Agora, com mais
tempo livre, divide o calendário por Portugal e por Azay le Rideau, a vila que
o acolheu e onde tem sempre vivido.
É dos poucos emigrantes que
não tem carro, uma opção que tomou e que não o impede de viajar constantemente
e visitar os sítios de que gosta.
João Parracho não enfrentou
as dificuldades dos seus compatriotas que o antecederam, nos anos 60, mas
lembra histórias, muitas histórias, algumas verdadeiras odisseias de quem teve
que partir, na calada da noite e percorrer a “salto” os duros caminhos e
veredas que conduziam à terra prometida: a França.
Hoje, assegura, muita coisa
mudou. Não só cá, como lá. O espírito de camaradagem já não é o mesmo. As
famílias estão mais dispersas e divididas, entre Portugal e França. Muitos já
não visitam com a mesma frequência o país onde nasceram. A própria vinda no tempo
de férias, cada vez mais curtas, não tem a alegria e o encanto de outros tempos
em que chegaram a vir excursões em quatro autocarros, sempre cheios,
organizadas pelo Emílio Parente.
Apesar de tudo, reconhece
ter dado o rumo certo à sua vida. Conquistou a garantia de um salário digno, o
acesso à segurança social, a cuidados de saúde que, em Portugal, ainda estão
muito longe, para além da vida tranquila. Não ganhou “mundos e fundos”, como
muitas vezes se pensa a propósito dos emigrantes e diz mesmo que “ lá na
Michelin trabalha-se no duro, com três turnos, o que exigia muita
concentração”.
Mas isso é história do
passado, ainda que recente e o que quer deixar como mensagem é que “valeu a
pena ter arriscado e conseguido uma vida melhor”.
Mário Mendes in "Jornal de Nisa" nº 218