18.10.17

VIDAS: Abalei da minha terra...

João Parracho: Um alpalhoense em Azay
 A saga da emigração portuguesa para França, retratada na “mala de cartão” da Linda de Suza (quem se lembra dela ainda, quem?) ou no filme “ O Salto” está ainda bem viva na memória de quem protagonizou, directa ou indirectamente, essa admirável aventura, cheia de risco, incerteza e, por que não dizê-lo, de medo. Corriam os anos 60 e o espectro do recrutamento militar pairava sobre milhares de jovens portugueses, aliciados para combater no Ultramar.
Nos campos, estalava a “crise” na agricultura. Sobravam os braços, despertava a consciência social, ao mesmo tempo (e talvez por isso) que faltava o salário justo e o pão para a boca de muitas famílias. Estavam criadas as condições para a debandada em massa, de milhares de portugueses, rumo ao estrangeiro e levando na bagagem, na mala de cartão, um número insondável de sonhos e esperanças.
João Rovisco Parracho não é um dos protagonistas desta história. A sua “aventura francesa” começou um pouco mais tarde, ainda antes do 25 de Abril. A bem dizer começou em Nisa, onde os jogos de futebol o traziam, amiúde, a ele, alpalhoense, de sotaque inconfundível. Pequeno, franzino, fazia da velocidade e capacidade de choque, as suas “armas” futebolísticas. Como todos os jovens daquele tempo, a bola, serviu-lhe para ir deitando o olho, aqui e ali, à procura de namoro. E foi em Nisa, justamente, que viria a encontrar a futura esposa. Pelo meio meteu-se a tropa, quase três anos a marcar passo e a adiar o futuro. Mas tudo tem um fim e em Janeiro de 1973, ei-lo, a caminho de França, com um contrato, legal, no bolso e a promessa de trabalho garantido na Michelin, por um ano. Ficou um ano e mais trinta, até Maio de 2005, sempre a trabalhar na grande empresa de fabrico de pneus, onde garantiu o sustento para si, para a mulher e o filho, nascido em terras gaulesas há 32 anos.
Em 2005 arrumou as botas, melhor dizendo, os pneus e passou à situação de pré-reforma. Agora, com mais tempo livre, divide o calendário por Portugal e por Azay le Rideau, a vila que o acolheu e onde tem sempre vivido.
É dos poucos emigrantes que não tem carro, uma opção que tomou e que não o impede de viajar constantemente e visitar os sítios de que gosta.
João Parracho não enfrentou as dificuldades dos seus compatriotas que o antecederam, nos anos 60, mas lembra histórias, muitas histórias, algumas verdadeiras odisseias de quem teve que partir, na calada da noite e percorrer a “salto” os duros caminhos e veredas que conduziam à terra prometida: a França.
Hoje, assegura, muita coisa mudou. Não só cá, como lá. O espírito de camaradagem já não é o mesmo. As famílias estão mais dispersas e divididas, entre Portugal e França. Muitos já não visitam com a mesma frequência o país onde nasceram. A própria vinda no tempo de férias, cada vez mais curtas, não tem a alegria e o encanto de outros tempos em que chegaram a vir excursões em quatro autocarros, sempre cheios, organizadas pelo Emílio Parente.
Apesar de tudo, reconhece ter dado o rumo certo à sua vida. Conquistou a garantia de um salário digno, o acesso à segurança social, a cuidados de saúde que, em Portugal, ainda estão muito longe, para além da vida tranquila. Não ganhou “mundos e fundos”, como muitas vezes se pensa a propósito dos emigrantes e diz mesmo que “ lá na Michelin trabalha-se no duro, com três turnos, o que exigia muita concentração”.
Mas isso é história do passado, ainda que recente e o que quer deixar como mensagem é que “valeu a pena ter arriscado e conseguido uma vida melhor”.
Mário Mendes in "Jornal de Nisa" nº 218