“À Descoberta do Património. Pelas vias da Lusitânia -
Rumo ao Sul”
Manhã
aprazível, luminosa.
O relógio de
sol marcava 7 horas e meia mais um pedacinho de sombra. Havia três horas, mais
um pouco, que o astro rei despontara lá longe nas cercanias de Marvão e Castelo
de Vide.
24 de Junho.
Dia de S. João, santo popular que terá pedido ao seu colega Pedro para que a
manhã não fosse quente para os caminheiros.
Dezanove caminheiros
meteram-se ao caminho da Marja Fanzira. Tomaram-na ali aos Sarangonheiros, à
esquerda da estrada de quem vai de Alpalhão para Nisa, ao quilómetro 5, mais
metro, menos metro. Rumaram para Sul.
Roupas leves,
boa disposição. Alguns levavam bordão. Arêz 2006 se lia num, e Jacobeo
2004 noutro. Arez, antiga vila, é povoação do actual concelho de Nisa. Jacobeo
é uma alusão às peregrinações a Santiago de Compostela quando a festividade
do apóstolo Tiago, que é a 25 de Julho, coincide com Domingo. Se quiser pode
confirmar: 25 de Julho de 2004 foi Domingo e o próximo Jacobeo será em 2010.
Se voltassem
atrás 800, 700 anos, talvez se cruzassem com peregrinos que seguiriam para
Norte, para Compostela, lá longe em terras do antigo reino de Leão, para o
sepulcro de Santiago, santo que tem no céu a sua estrada – Estrada de Santiago
(Via Láctea) - para que os devotos, cá na terra, se não percam, nos seus
Caminhos de Santiago, e, entre outros, aqui à Margem Fanzira, Vereda da
Sardinheira ou Caminho Sardinheiro,
Aqueles
seguiriam para cumprir promessas ao evangelizador da Hispânia, agradecer graças
divinas, dar, lá na catedral, a marradinha. Teriam largos e
longos dias pela frente. Estes, numa manhã, sem pressas nem correrias, iam para
combater o stress, contemplar a natureza, conhecer património,
paisagens, fauna, flora, para o convívio. Respondiam ao convite de Nisa Viva
– Associação dos naturais e amigos do Município de Nisa, que em cartaz
anunciara “À Descoberta do Património. Pelas vias da Lusitânia - Rumo ao
Sul”.
E à margem
esquerda da Margem, que corria entre paredes de pedra tosca, aos Rombeiros, viram
sepultura escavada na rocha a lembrar que há um milhar de anos, mais coisa,
menos coisa, ali sepultaram alguém que não deixara registo escrito e a lembrar
que, naqueles tempos, aquelas paragens eram habitadas, como já o tinham sido há
quatro, cinco mil anos pelos homens que ergueram, ali perto aos Sarangonheiros
e lá mais adiante ao S. Gens, algumas antas. Uma fonte, no caminho, terá
enchido dezenas, centenas de cabaças de pastores e peregrinos, mas que os
caminheiros só a admiraram já que, prevenidos, levavam água engarrafada em
plásticos, sabe Deus e o rótulo onde.
Campos
desarborizados, de pastagem. Terão sido estes os campos de pastos comuns para
gados dos antigos concelhos de Nisa e Alpalhão? Terão sido estes campos que em
meados do séc. XVIII, quando o arame farpado, agora ali estendido, não definia
nem limitava espaços, originaram desavenças entre as gentes de Alpalhão e de
Nisa, desavenças que subiram a Lisboa e se resolveram a contento dos primeiros?
Entre giestas e
codessos, apontaram a direcção para pontões, obras da engenharia local, quando
a pedra era cortada à mão, pontões na Ribeira do Figueiró e no afluente Mourela.
Uns largos, outros estreitos, todos sem parapeitos, mas todos em matéria-prima
da região, do mesmo granito que hoje leva longe o nome de Alpalhão e dá pão a
muita gente. E num, construído nos campos João Viegas, o grupo posou para a
fotografia.
Ali jazem
esquecidos, sem préstimo, se, assim, o entenderem.
Ali esquecidos,
cumprida a missão para a qual nasceram há centenas de anos, fazer a pé enxuto a
ligação entre margens, aguardam, hoje, os roteiros, a publicidade turística, as
informações, para serem admirados contemplados, já que mais não podem dar.
Assim o queiram os homens de hoje.
Alguns
caminhantes, subindo com alegria, passaram por baixo de pontões que para ali
estão, passaram por vãos, falsos arcos, arcos rectos ou lá como lhe queiram
chamar. Mas, descendo de enxurrada, não passarão na próxima invernia as águas
se alguns vãos não forem desimpedidos dos inúmeros ramos que fazem barragem.
Assim começa a ruína do nosso património. Conscientes ficaram os que ali
estavam à torreira do Sol. O que dirão e farão os do ar condicionado? Fica o
alerta.
A Ribeira, da
qual se diz “os peixes do Figueiró quem os apanha come-os só”, já não
corria, nas planuras do Carvalhal.
Mas corriam
loucas as vacas-louras. Mas que diacho! Quem deu nome a estes bichos, minúsculos
insectos comparados com as vacas que ali pastavam? E por que loura se o comprido
corpo de preto pintado tem listras encarnadas de atravessado?
Passagem de
peregrinos nos tempos antigos onde alguns foram violentados por vaqueiros da
região. Coisa forte que originou queixa ao rei.
Terras de
lavoura!
Caminhos
importantes que os franceses estudaram, mas que não vieram a utilizar aquando
das invasões que fizeram em 1807/11.
Marcos marcam,
em alinhamento no terreno, divisões administrativas de concelhos - Nisa,
Castelo de Vide – e de freguesias - Alpalhão, Espírito Santo, S. João.
Couto da
Figueirinha de eucaliptos está hoje arborizado.
Caminhos
murados de pedra. Sobreiros mortos, em pé. Gado bravo pastava.
Ribeiro do
Castelo, Fonte Velha. Terras de muita água, terras ricas que deram muita
batata, azeite e pão.
E o passeio
pedestre terminou, sem martírio, ao Mártir Santo, à ermida de S. Sebastião,
séc. XVI/XVII, cuja porta aberta dá vistas ao martirizado, quase desnudo, para
Alpalhão, e onde os ex-votos, em cera, lembram que o moço proprietário ajuda
aqueles que a ele recorrem em horas de aflição.
Era, pelo Sol,
uma hora para o meio-dia. Em outros tempos já se tinha almoçado e já se pensava
no jantar e na sesta, que a dona Rosa na primeira quinta-feira de Maio trouxera
a Alpalhão.
O retempero das
forças foi, depois de visita ao Museu da Misericórdia de Alpalhão, nas antigas
instalações desta irmandade.
As gentes de Alpalhão
sabem receber - receber bem as pessoas - e dar - dar da sua alegria, da sua companhia
e do seu farnel. Não há como agradecer!
José
Dinis Murta in "Jornal de Nisa" nº211 - Julho 2006