O verão é um período de poucas notícias, mas este ano não
está a ser o caso. Há um denso noticiário em torno de tragédias, com realce
para a dos fogos florestais, temos mais lutas sociais dando origem a algumas
notícias e é ainda significativo o espaço especulativo a propósito de alguns
processos judiciais. No entanto, o debate político que acompanha a agenda noticiosa
revela-se muito pobre, o que não afiança nada de bom para o futuro próximo.
Os partidos da Direita, atolados num pântano malcheiroso,
atiram lama em todas as direções. Tendo optado por terem como programa político
a mera aplicação da cartilha neoliberal reinante, para estes partidos Portugal
é apenas mais um espaço para prolongamento desses interesses, fator que
aprofunda o seu distanciamento face às realidades concretas que aqui se vivem.
O caso da lista de vítimas em Pedrógão Grande ilustra tristemente esse vazio e
mostra que daquela banda não virá qualquer contributo sério, neste caso sobre o
que é urgente fazer no que toca à floresta nacional, ao ordenamento do
território e ao combate aos incêndios.
As lutas sociais latentes ou em curso, a baixa qualidade do
emprego e das retribuições, a discussão estruturante sobre o próximo Orçamento
do Estado ou o debate sobre a posição do país na UE não merecem à Direita mais
do que negligência, aqui e ali salpicada por pronunciamentos de oportunismo
político. A Direita entregou-se à chicana política, fazendo uso de quaisquer
armas de arremesso e apoiando-se em alguns grandes meios da comunicação social
que, sem escrúpulos, se alimentam do alarme social.
O arrastar da política para o patamar da lama pode ter efeitos
espúrios vários: i) enfraquece a democracia ao acentuar a sua descredibilização
e ao não trazer conteúdos para o debate das ideias e para a formulação de
propostas; ii) amplia no Partido Socialista (PS) a ideia de que, a este, basta
o Governo ir gerindo a situação para ter garantida a continuidade no poder, o
que pode matar mudanças de políticas tenuemente iniciadas em algumas áreas;
iii) coloca dificuldades acrescidas aos partidos da Esquerda que dão apoio
parlamentar ao Governo, porque estes têm de ser ofensivos face à Direita, mas
não podem pactuar com um PS acomodado.
O atual Governo, perante um debate político concentrado na
"espuma dos dias" que emerge de uma agenda de retrocesso económico e
social e de esvaziamento de valores, se optar por empurrar os problemas com a
barriga, deixará atrás de si verdadeiros alçapões que poderão transformar-se em
perigosas armadilhas para os trabalhadores, para a maioria dos portugueses e
para o país.
Por exemplo, o caso "Altice" reproduz-se, mesmo
que parcelarmente, em muitas outras empresas, e perante isso não pode haver
silêncios. São muito importantes as inspeções da Autoridade das Condições de
Trabalho, instituição de grande mérito mas com crónica falta de meios, contudo
os seus pronunciamentos não são decisões de tribunais transitadas em julgado,
ou seja, o efeito da sua ação (importante) pode chegar quando o emprego e os
direitos de quem trabalha já foram cilindrados. A incapacidade de agir sobre
estas situações alia-se, de facto, a uma vontade fortemente impulsionada por
Bruxelas que vai no sentido de compatibilizar a legislação laboral com essas
subversões das relações de trabalho e não de se fazerem os ajustamentos -
talvez bem pequenos se cirúrgicos e acompanhados por sinais motivadores - para
dar combate eficaz às precariedades e promover a negociação coletiva.
Por outro lado, a justiça é ela própria um grande alçapão,
se continuar prisioneira de uma enorme desconexão entre o estardalhaço na
comunicação social provocado pelo início de alguns processos e o que fica no
final desses mesmos processos. Esta realidade tolhe a sociedade e contribui
para a secundarização do trabalho na justiça.
O Governo tem que ser coerente com a sua plataforma
política. Cometerá um erro estratégico grave se no próximo Orçamento do Estado
inscrever compromissos limitadores por longo tempo da reposição de direitos, da
criação de emprego digno, da requalificação de emprego e da melhoria dos
salários. Há condições para o desenvolvimento, haja coragem e bom senso.
Manuel Carvalho da Silva in “Jornal de Notícias” – 30/7/2017