“ARGO” NISENSE
Para quem não sabe o que é o “Argo”, fique a saber
que é uma língua inventada, utilizada em quase todas as terras de Portugal, com
que se denominam palavras e objectos, com nomes “bárbaros”, que não figuram
sequer no dicionário de português.
Nalgumas escolas nacionais tem havido interesse no
ensino desta importante riqueza cultural, com o é o caso do “mirandês”, que se
estuda e pratica em Miranda do Douro, como outros dialectos noutros locais. Em
Miranda diz-se “chega-te para lá um cibinho”, enquanto em Nisa, as pessoas mais
antigas dizem: “chega-te para lá maneirinhas”.
Estamos no século passado, no início de Outubro de
1910, com a revolução republicana e o derrube da monarquia a ceifar vidas,
quando um jovem casal de camponeses resolveram casar. O noivo era rude e
corpulento, a noiva era dócil e meiga, não impedindo, por vezes, de haver
disputas verbais, com grande alarido, alarmando a vizinhança. A esposa, amorosa
como no primeiro dia, esquecia-se, facilmente, da discussão do dia anterior,
endereçando-se ao seu “Intónh”: Ó home, não te esqueças de levares a “plice”,
porque stá a morinhé e tu podes-te constipé.
O homem, respondia: “Non te rales Frincisca, que eu
levo tamém o guarda-chuva”.
À noite, no regresso a casa depois da labuta de um
dia de trabalho árduo no campo, o marido encontra a sua esposa à luz da
candeia, abanado o lume para fazer o jantar, no preciso momento em que o gato
derrubou a “mintolia” do azeite que se encontrava em cima da “tropeça” de
cortiça.
- “ Ó mulhê! Tira daí mazé, esta saringonça, não vás
tu também aventar o “venégre”.
Ele vinha bastante cansado porque adormeceu logo, com
os cotovelos nos joelhos e as mãos na cara, quando a esposa o acordou, dizendo:
“ vamos comer que a ceia já está pronta. Achando-o calmo, começou por lhe dar a
novidade de que iriam ser pais.
- “Já me charinguéstes com esta notícia. Agora, quem
se vai ocupar desta encrenca?
- Ora, não meteras o bico onde não eras chamado,
respondeu a mulher.
Sussurrando sozinho, já não quis comer e foi-se
deitar.
Momentos depois a sua esposa juntou-se e quebrando o
silêncio, disse: “Deixa lá “Intónhe”, que Deus há-de dar-nos saúde “pró crié” e
ele há-de ser forte como tu e parecido contigo. Não vês que são provas do nosso
amor?
Estas palavras chocaram o coração do jovem esposo
tornando-o cada vez mais amoroso de sua mulher.
Algum tempo depois rebentou a 1ª Guerra Mundial de
1914/18, em que ele não escapou a mobilização, sendo incorporado num batalhão
para ir defender a França contra os alemães.
Trocaram-se cartas inflamadas de amor entre o jovem
casal, aguardando-se o nascimento do tão desejado filho, enquanto nas
trincheiras da batalha de Verdun se ouviam os tiros da artilharia pesada, com
os gases das bombas matando os bravos soldados.
A Frincisca ficou “esborgada” com chorar quando
recebeu a notícia da morte do seu marido na frente de combate.
- “Valha-me Dés! O que será de mim sem o mê Intónhe”,
como é que eu posso crié o nosso filho? Ai! Que já não te vejo mais, amor da
minha vida, não chegastes a ver o fruto do nosso amor”.
No seu peito palpitante, acendeu-se uma luz como a
querer dizer: não chores, que eu estarei sempre contigo, até à eternidade…
“O seu corpo repousa no Mosteiro da Batalha, no
túmulo do Soldado Desconhecido”.
António Conicha in "Jornal de Nisa" - 208 - Maio de 2006