10.10.16

OPINIÃO: Nuclear em Almaraz, o pretérito mais-que-(im)perfeito

É imperioso que Almaraz encerre e que sejam tomadas medidas para o desmantelamento e a descontaminação da infraestrutura.
O debate sobre o futuro da energia nuclear e a sua substituição por alternativas mais limpas e seguras divide a Europa. Enquanto a Alemanha opta pelo encerramento das suas centrais nucleares até 2022, França e Espanha parecem apostadas em prolongar o tempo de vida útil das suas centrais. É isso que indicia o recente parecer do Conselho de Segurança Nuclear Espanhol, favorável à construção de uma nova instalação para depósito de resíduos nucleares - aqui ao nosso lado a apenas 100Km da fronteira Portuguesa...e para o qual alertei o Ministro do Ambiente há cerca de 6 meses atrás!
O nuclear tem grandes custos de desmantelamento e por isso há incentivos para prolongar o período de operação das centrais, engordando lucros, depois do investimento estar amortizado. Esse custo está estimado, para o conjunto das centrais da UE a serem modernizadas ou desmanteladas, em 330 mil milhões de euros. O incentivo económico para os operadores privados (e estatais) é bem claro. Já a defesa do interesse público fica sujeita a sensibilidades políticas, a uma deficiente participação pública e a óbvias pressões económicas...
Espanha, apesar de ter o parque nuclear onde se registam mais incidentes em toda a UE, mantém em aberto a opção de prolongar a vida das centrais para além dos 40 anos.
Próximo de nós, Almaraz possui os reatores nucleares mais envelhecidos de Espanha, apresenta falhas no sistema de refrigeração e não dispõe de dispositivos eficazes para a contenção da radioatividade em caso de acidente grave. Ainda no mês passado vieram a público revelações acerca da utilização na central de peças deficientes produzidas numa fábrica com irregularidades nos dossiers de controlo de qualidade.
A Comissão Europeia, obrigada na defesa dos Tratados e da Lei, mas enredada em imperiosos laços de subordinação perante os mais influentes Estados-Membros, vai cumprindo o papel a que nos vem habituando, o de empenhado “mangas-de-alpaca”, mas pouco diligente fautor e supervisor da implementação eficaz das normas legais. Instado por mim sobre se os padrões de segurança em Almaraz são os mais atuais e os que garantem um nível ótimo de segurança para uma central nuclear, o Comissário responsável pelo pelouro, também ele nosso vizinho, afirma que não, que a legislação de 2014 está ainda por transpor para a lei Espanhola. Já sobre que medidas estão a ser tomadas nesse sentido, a Comissão responde que não é com ela, que é com o próprio operador e com as autoridades do Estado em causa. Questionada sobre a articulação entre as autoridades Espanholas e Portuguesas em caso de emergência radioativa a Comissão não responde, ou não sabe, mas confia, prometendo velar no futuro...Falta aptidão a esta Europa, refém dos interesses nacionais individuais!
A central de Almaraz, refrigerada pelas águas do Tejo, é uma grave ameaça para as populações suas vizinhas, portuguesas e espanholas!
Portugal tem que ser mais exigente sobre as medidas adicionais de segurança que uma central desta idade impõe, tem que haver maior cooperação transfronteiriça. Infelizmente, sob o pretexto da ausência de um executivo em Espanha, o Governo Português tem procrastinado acções mais enérgicas, enquanto por outro lado o risco operacional daquela central não pára de aumentar.
É imperioso que Almaraz encerre e que sejam tomadas medidas para o desmantelamento e a descontaminação da infraestrutura.
Não resisto a citar a magnífica ironia de Amory Bloch Lovins: "A energia nuclear é a energia do futuro cujo tempo já passou”!
José Inácio Faria in "Público" - 09/10/2016 
Eurodeputado e Presidente do Partido da Terra - MPT