Quim quizé comprá
Paparrates à tjêla
Vã à casa do Ti Rindinhas
Que lá stam a vendê
(Esta parte do texto não fez parte do trabalho original. Lembrei-me dela, agora e do ti Relvas, que assim anunciava pelas ruas de Nisa, nos anos 60 e com os seus famosos pregões, divulgava a excelência dos produtos tradicionais da nossa terra.)
João da Cruz Cebola Caixado, tem 77 anos, um terço dos quais dedicados à salsicharia
tradicional. Foi alfaiate e merceeiro, mas os fracos proventos auferidos nestas
actividades, levaram-no a enveredar pelo comércio de carnes frescas e de
enchidos.
"Cessei
a minha actividade há oito anos. Estive à frente de uma salsicharia durante
vinte e cinco anos. Era um negócio "caseiro", familiar, como quase
todos os deste ramo na vila de Nisa. Comprava os porcos, levava-os ao
matadouro, ajudava a matá-los e depois era eu que os desmanchava, em casa. A minha mulher,
ajudada por outra, a "enchideira", encarregavam-se de migar a carne e
proceder ao enchimento das tripas. Os enchidos eram, depois, colocados, em
varas, no fumeiro, para o processo de "cura", com lenha de azinho.
Era assim que, em minha casa e em mais de uma dúzia de salsicharias de Nisa, se
trabalhava."
João
Caixado, recorda esses tempos de azáfama, com um brilho nos olhos e fala dos
enchidos de Nisa com indisfarçado orgulho:
"
Naquele tempo quase todas as pessoas tinham o seu bacorinho para engordar. A
furda, no quintal, ou a pocilga, no chão (tapada) serviam para aproveitar as
viandas, e a engorda do porco representava uma grande ajuda para os magros
proventos das famílias."
Os
salsicheiros adquiriam a maior parte desses suínos, avaliados e pagos "à
arroba", que conduziam ao matadouro municipal onde eram abatidos.
"No
meu comércio, havia duas "matanças" por semana, às quartas e
sextas-feiras, dois ou três porcos, às vezes menos, conforme a época, a oferta
e a procura".
Os
enchidos tradicionais de Nisa, como o chouriço, a cacholeira, a linguiça, a
moura, a morcela e a farinheira, tinham grande procura, consoante o tipo de
consumidores e de "bolsas". A lavoura tinha, ainda, um grande peso na
actividade económica de Nisa e os trabalhadores rurais aviavam as suas
"fatadas" onde não faltava o bocadinho de conduto: os enchidos.
Foi
assim até à década de 70. Depois, ao progressivo abandono dos campos e à
imposição de novas regras e restrições no abate e comércio de gado suíno e
ovino, juntou-se a avançada idade de grande parte dos salsicheiros de Nisa, que
se viram remetidos para uma situação "entre a espada e a parede".
Prosseguir
a actividade significava vultuosos investimentos em instalações e equipamentos,
projectos, processos burocráticos para os quais faltava paciência, informação e
ajuda.
O
sector atravessava uma grande indefinição. À entrada na CEE, seguiu-se o
encerramento dos matadouros municipais, uma das medidas que, aos olhos de
Cavaco Silva, nos transformava em "bons alunos" da realidade
europeia. Tal decisão significou, a nível local e regional, um profundo golpe
numa economia de subsistência: o matadouro municipal foi, directa e
indirectamente, a base de sustento de muitas famílias.
João
Caixado, seguiu o caminho de outros salsicheiros nisenses: fechou as portas e
acabou com o negócio. Uma decisão que não foi fácil e que ainda hoje recorda
com algum pesar.
"Começou
a haver concorrência, vinda de fora. O abate de gado fazia-se nos matadouros
industriais, com grandes armazéns frigoríficos e estes vendiam aos comerciantes
as partes dos porco que lhes pediam. Por um lado, era mais fácil e vantajoso
adquirir só o que nos interessava, pois os ossos e os toucinhos, às vezes, eram
para mandar fora. Fui mantendo, enquanto pude, a actividade. O pior foi a
imposição de construir ou remodelar as instalações e com a idade que tinha
pensei que o melhor era encerrar o comércio."
Hoje,
olha para trás com alguma nostalgia. Tem saudades do matadouro, dos clientes,
do movimento da casa, da procura dos bons enchidos de Nisa e revela-nos as
razões de serem tão apreciados.
"A
qualidade começava, em primeiro lugar, nos animais. A carne dos porcos de
montado, alimentados a lande e a bolota, tinham, logo, outro sabor. Depois, era
a escolha e preparação das carnes, de acordo com o tipo de enchidos. Os
chouriços e as linguiças, eram de uma qualidade, as cacholeiras e as mouras, de
outra, e por aí fora. Aspecto importante eram os temperos. O pimento de horta,
o saber migar e "adubar", uma arte, centenária, das
mulheres-enchideiras de Nisa, o tempo da carne em repouso, para tomar os
temperos, enfim, parecem coisas sem importância, mas são aquelas que davam
valor, qualidade e fama, aos enchidos de Nisa. Havia lá havia enchidos como os
nossos...".
Mário Mendes in "Jornal de Nisa" - 2003
NOTA: João da Cruz Cebola Caixado (1926 - 2016), o ti Rendinhas, como era popularmente conhecido e com loja na Rua das Romeiras, faleceu no passado dia 11 de Outubro.
Aos filhos, Olinda, José de Jesus e João José e demais familiares expressamos as nossas sentidas condolências.