13.10.16

DO ALTO DO TALEFE (14): Os malandros dos “Astros-Reis”

 É manhã, o Sol preguiçoso ainda não surgiu no horizonte e a caminhada para o talefe, fez-se entre alguma névoa matinal. É meu objectivo esperar pelo malandro do astro-rei, mordendo o naco de pão, previdencialmente transportado no bolso do casaco.
A cabeça latejava-me, como que a lembrar-me que a leitura até altas horas deixa efeitos no dia seguinte, as ideias rolam mas a sua conexão não se estabelece. Sem fixar-me em nada de especial, olhei o chaparro que ali perto teima em crescer.
E o Sol, levanta-se, lento, majestoso, orgulhoso do seu querer, faz-me fechar os olhos como que exigindo a vassalagem devida aos poderosos, arrogante, em poucos minutos coloca-se de modo a aparecer de forma impiedosa em todo o planalto, já abrasado, por dias idênticos.
A seca ia continuar a martirizar este solo, onde os decisores não vivem e em que o poder dos votos, equivale a uma qualquer suburbana urbanização dormitório das grandes cidades.
Alegrei os olhos e vi todo o Alentejo a transformar-se num enorme deserto, de Nisa a Almodôvar, de Mora a Mértola e lembro-me de Fernando namora e das Minas de S. Domingos e do riacho que é hoje o Guadiana. Faço mais um esforço e tento recordar-me da Ribeira de Nisa, do Figueiró, do Sor, das levadas de água e só encontro pequenos pegos e algumas cabeças de gado subsidiadas em ecus.
Em Lisboa, ergue-se com a ajuda de milhões o Centro Cultural de Belém e prepara-se a Expo 98, mostra de variedades de astros-reis que não resolvem o problema do Alentejo e nós por cá teimosos como o chaparro.
Teimosos, agarrados à esperança de vermos o Alentejo vestido de árvores frondosas e com sistemas de irrigação que permitam o desenvolvimento da região. Convictos, de que um dia, aqueles que decidem, olharão para cá e farão os investimentos necessários para que este território, tão vasto, possa ser ocupado por gente que nele possa viver e criar os filhos, com a qualidade de vida que todos ambicionam.
O Sol ergue-se mais e à cautela refugio-me junto do chaparro, amigo e cúmplice de longa data, que à laia de despedida me sussurra: vai tomar um banho à piscina de Nisa!
Ah! Chaparro, és mesmo alentejano, o único português que faz humor com a própria desgraça, mas simultaneamente orgulhoso bastante para dizer: Oh, Sol, um dia este Alentejo ainda te vencerá e os nossos filhos rir-se-ão de todos os malandros dos “astros-reis”.
Zé de Nisa – Notícias de Nisa nº - nº4 (1ª série)