Foi há 70 anos, a 12 de Dezembro de 1943. Era domingo, havia mercado,
cinema e baile em Nisa. Um
domingo como tantos outros, nesses tempos de horror e miséria. Os pastores e
camponeses vinham à vila aviar a fatada, bebiam uns copos, falavam e discutiam
as agruras do trabalho no campo. A guerra na Europa obrigou a racionar os produtos
de primeira necessidade, entre os quais o pão, bem essencial para as classes
laboriosas.
Nisa, como outras terras do país, também não escapou ao racionamento
desse bem, cuja repartição se fazia através de senhas, distribuídas de acordo
com o “tamanho” do agregado familiar. Na teoria. Na prática, as classes
abastadas não eram abrangidas por tal medida e muitas “encomendas” eram aviadas
à sucapa para satisfazer essas famílias.
Esta prática ilegal e injusta, terá constituído o elemento detonador
daquilo que viria a ficar conhecido como a “Greve do Pão”, um episódio
sangrento e uma página negra na história de uma vila de gente pacífica, numa
sucessão de actos de protesto que culminaram numa forte repressão policial, de
que houve a lamentar diversos feridos, dois deles com gravidade, um dos quais
Alfredo Mourato (Galacho) viria a falecer mais tarde, em consequência dos
ferimentos provocados por balas, nos órgãos genitais.
O outro ferido, João Louro, ficou com uma perna amputada.
Destes acontecimentos sangrentos não há qualquer registo nos documentos
oficiais da autarquia, nem sequer uma simples alusão na “Monografia de Nisa”, editada
treze anos mais tarde. O fascismo existiu. Em Nisa e no país. A PIDE e a
Censura fizeram o seu trabalho. Reprimiram e apagaram, pura e simplesmente, esta
data e os acontecimentos deste domingo sangrento da história da vila.
Nós lembramos-lo, mais uma vez. Em homenagem aos jovens e adultos que
sofreram na pele e na amargura dos seus familiares, as provações por terem
tomado parte num movimento de protesto e indignação espontâneo em defesa do
direito ao pão.
Setenta anos depois, estão por lembrar e homenagear, condignamente,
todos aqueles que foram vítimas da repressão, presos e afastados dos seus entes
queridos, a maior parte dos quais já não estão entre nós.
Mário Mendes