8.12.13

CRÓNICAS DO REGABOFE (7): O barco navegando pelos olhos de minha mãe

Não sei bem, perdi na arca da memória...
Mas andaria pelos 4, 5 anos de idade.
Estava hospitalizado afetado por uma encefalite aguda.
Todos os dias e todas as noites só. Completamente só.
Só as enfermeiras e, de quando em vez, o médico que prometia sempre que no dia seguinte me deixaria regressar a casa.
Por vezes, à noite enquanto fingia dormir e enganava assim o cansaço, ouvia chegar as enfermeiras, alegres e felizes, voltando ao hospital de uma noite bem passada, talvez com os namorados. quem sabe lá?
Uma tarde, porém, tive um pressentimento e rapidamente me voltei na direção da janela. Lá estava, brilhante, mas sem tempo de disfarçar o choro em sorriso, o rosto de minha mãe.
Levantei-me a gritar: "-leva-me daqui!".
Mas ao chegar à janela já não a vi. Apenas um ligeiro aceno de adeus e os lábios desenhando um beijo no frio vidro pelo qual passei a mão incansável, até que uma enfermeira, talvez alertada pela gritaria me pegou, com mais carinho que força, e levou de novo para a cama.
Naquele dia, morri.
Afogado nas ondas do mar, dos olhos de minha mãe.
Jaime Crespo
(Hoje, 8 de Dezembro, é o Dia da Senhora da Conceição, durante muitos anos, o Dia da Mãe.)