15.2.24

OPINIÃO: Morrer de mãos dadas

Juntos há 70 anos, Dries e Eugenie van Agt morreram de mãos dadas. Tinham ambos 93 anos. Ele foi primeiro-ministro dos Países Baixos e sofreu uma hemorragia cerebral em 2019, da qual nunca recuperou. Ela também estava irreversivelmente doente. Decidiram morrer juntos num país onde a eutanásia e a morte medicamente assistida estão legalizadas desde 2002. A notícia da morte foi avançada pelo The Rights Forum, uma organização de defesa dos direitos da Palestina fundada pelo democrata-cristão: “Ele morreu junto e de mãos dadas com a sua amada esposa Eugenie van Agt-Krekelberg, o apoio e suporte que esteve com ele mais de 70 anos, e que ele sempre tratou como a ‘minha miúda’”. Ambos estavam muito debilitados, mas não podiam viver um sem o outro. A eutanásia de casais é muito rara - algumas dezenas de casos naquele país - porque a lei obriga a que ambos preencham seis condições para aceder ao alívio da morte.
Do outro lado do Atlântico, no Canadá, a discussão é mais radical - e perigosa. O Parlamento debateu, mas acabou por voltar a adiar, uma lei que permitiria o acesso à morte assistida de pessoas que sofram apenas de doenças do foro mental, deixando de exigir um diagnóstico de doença irreversível e/ou terminal.
Em Portugal, o Parlamento já produziu uma legislação equilibrada sobre a morte medicamente assistida, mas quem se encontra “em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável” continua a não ter direito a uma morte digna. Depois de um longo e conturbado processo - a lei foi aprovada quatro vezes depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter enviado o primeiro decreto para o Tribunal Constitucional, em fevereiro de 2021, vetado o segundo, em novembro do mesmo ano, e enviado o terceiro também para fiscalização preventiva, em janeiro de 2023 -, a eutanásia foi promulgada em maio passado. Mas a queda de António Costa atirou a regulamentação para as mãos do próximo Governo. Não sendo tema de campanha eleitoral, embora sejam conhecidas as posições dos vários partidos, resta esperar que não morra na praia.
* Helena Norte in Jornal de Notícias -14 fevereiro 2024