Letra: João Mendonça, Dulce Pontes e António Pinheiro da Silva
Música: Dulce Pontes e Leonardo Amuedo
Intérprete: Dulce Pontes* (in CD "O Primeiro Canto", Polydor B.V. The Netherlands/Universal, 1999)
O tambor a tocar sem parar,
um lugar onde a gente se entrega,
o suor do teu corpo a lavar a terra.
O tambor a tocar sem parar,
o batuque que o ar reverbera,
o suor do teu rosto a lavrar a terra.
Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já,
já vai a caminho a Maria Faia...
Azinheiras de ardente paixão
soltam folhas, suaves, na calma
do teu fogo brilhando a escrever na alma.
Estas fontes da nossa utopia
são sementes, são rostos sem véus,
o teu sonho profundo a espreitar dos céus!
Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já,
já vai a caminho a Maria Faia,
desenhando o peito moreno, um raminho de hortelã
na frescura dos passos, a eterna paz do Poeta.
Uma pena ilumina o viver
de outras penas de esperança perdida,
o teu rosto sereno a cantar a vida.
Mil promessas de amor verdadeiro
vão bordando o teu manto guerreiro,
hoje e sempre serás o primeiro canto!
Ai, o meu amor era um pastor, o meu amor,
ai, ninguém lhe conheceu a dor.
Ai, o meu amor era um pastor Lusitano,
ai, que mais ninguém lhe faça dano.
Ai, o meu amor era um pastor verdadeiro,
ai, o meu amor foi o primeiro.
Estas fontes da nossa utopia
são sementes, são rostos sem véus,
o teu sonho profundo a espreitar dos céus!
Mil promessas de amor verdadeiro
vão bordando o teu manto guerreiro,
hoje e sempre serás o primeiro canto!
Foi na sombria e funesta madrugada de 23 de Fevereiro de 1987 que José Afonso partiu deste mundo, sucumbindo a uma doença terrível e fatídica (esclerose lateral amiotrófica). Completaram-se hoje 37 anos e em evocação do maior vulto da Música Popular Portuguesa destacamos a canção "Zeca", com letra de Hélia Correia e música de Janita Salomé, interpretada pelo autor da belíssima melodia. Trata-se de uma versão ao vivo gravada nos espectáculos «José Afonso – "A Utopia e a Música"», realizados no Centro Cultural de Belém, nos dias 22 e 23 de Fevereiro de 1998, mas só publicada em 2004, o que aconteceu – refira-se a título de curiosidade –, um decénio após a edição da gravação original, na voz de Filipa Pais, já objecto de destaque neste blogue, em 2009 [cf. Filipa Pais: "Zeca"]. A revisitação da canção, ainda que noutra interpretação, justifica-se plenamente por cinco boas razões: primeira, pelas palavras lapidares que a poetisa Hélia Correia escolheu para retratar o autor d' "Os Vampiros"; segunda, pela inspirada música que se adequa na perfeição ao poema; terceira, pela irrepreensível e tocante interpretação de Janita Salomé; quarta, porque as comemorações do 50.º aniversário do 25 de Abril de 1974 não podem (não devem) dispensar a homenagem que é devida aos cantores que desbravaram os caminhos que conduziram à Revolução dos Cravos (e José Afonso foi – é oportuno relembrar – o mais proeminente de todos esses destemidos arautos da Liberdade); e quinta, por se tratar de um espécime pouquíssimo divulgado. Nas 'playlists' das rádios de cobertura nacional, inclusive na da Antena 1, é impossível de apanhá-lo, similarmente, aliás, à generalidade do repertório de Janita. Se o boicote à obra discográfica do categorizado artista, que ocupa, por mérito próprio, um lugar de relevo na História da Música Popular Portuguesa, é grave nas estações privadas, ainda mais o é na estatal, atendendo às particulares obrigações que tem no domínio da divulgação da melhor música que se fez em Portugal. Urge, pois, que sejam tomadas as medidas necessárias para tornar a rádio pública mais justa para com Janita Salomé e, bem assim, para com muitos outros intérpretes (em nome próprio ou integrados em colectivos) que deram um significativo contributo para o enriquecimento do património musical/fonográfico português!
https://youtu.be/guOKjSv0SsE?si=WN0M4bckZKIi65fZ