O politicamente correto começa a tornar-se um pouco maçador. Às vezes, ridículo. Outras, perigoso. Sobretudo quando há organizações e lobbies que querem decidir e impor o que devemos ver, ler e ouvir, mesmo que para isso seja necessário reescrever o passado ou desmentir o presente.
Nos últimos anos, com o argumento da diversidade e inclusão, temos assistido a uma espécie de inquisição sobre diferentes manifestações culturais e sociais. Cinema, literatura, música, arquitetura, política. Nenhum movimento escapa a este fenómeno, radical e ao mesmo tempo populista.
Desta vez foi a Disney a censurar duas obras clássicas da banda desenhada do Tio Patinhas. O fundamento é o do costume. Evitar histórias com elementos discriminatórios. A reação dos leitores não foi boa e a empresa prometeu rever a questão.
Há uns dias também ficamos a saber que Augusto Glupe, a personagem do filme "Charlie e a Fábrica de Chocolate", do conto de Roald Dahl, passou de "gordo" a "enorme" para não ferir os leitores mais sensíveis.
Há um ano, uma professora brasileira de português defendeu, nos EUA, que "Os Maias", de Eça de Queiroz, é uma obra racista e, mais recentemente, um cantor português sugeriu alterações ao hino nacional para que a letra de "A Portuguesa" fosse menos bélica.
Os passos que têm sido dados no caminho da diversidade e inclusão são meritórios e importantes. Mas uma sociedade que respeita todos os indivíduos, independentemente do seu género, orientação sexual, religião, etnia ou nacionalidade, é também aquela que não renuncia ao seu passado e que o entende, no seu tempo e contexto.
Mudar palavras não é solução para combater a discriminação. As sociedades democráticas têm instrumentos jurídicos para o efeito. Em Portugal, por exemplo, a Comissão para a Igualdade Contra a Discriminação Racial tem feito o seu caminho.
E mudar palavras também não altera a realidade. Não esqueçamos que na Ucrânia há uma guerra e não "uma operação militar especial".
* Manuel Molinos in "Jornal de Notícias" - 3.3.2023