Um ano depois, o que mudou? Seria injusto responder: pouco
ou nada mudou. Um ano volvido sobre a tragédia que sobressaltou o país, fez
imensas vítimas mortais e destruiu milhares de hectares de floresta, muito
mudou. Nunca a prevenção da época de fogos, talvez, tenha sido feita com tanto
cuidado. Há muito se não via, pelo menos no discurso, a floresta a ser tão
valorizada. Alterou-se a maneira de olhar o território, o interior e seus
dramas silenciosos, e existe consenso - é preciso mudar práticas, tornar a
palavra ato, sob pena de se repetir o impensável.
Ouvir um destacado membro do PSD assumir que o poder
político esqueceu o interior, à primeira vista, será um louvável gesto de
honestidade, se não fosse tão grave e se não fosse apenas uma meia verdade.
"Há um problema desproporcional entre o litoral e o interior e só [existe]
uma razão para isso: esquecemo-nos do interior do país". Palavras do líder
parlamentar social-democrata, Fernando Negrão, sábado em Vila Facaia , uma das
aldeias atingidas pelo grande incêndio de 17 de junho. Quem teve
responsabilidade política nas últimas décadas não se esqueceu do interior, por
muito piedoso que esse ato de contrição possa ser. Quem teve responsabilidade
política nas últimas décadas ignorou esse território e fê-lo de forma
consciente. Fê-lo legislando, aprovando medidas, tomando decisões.
E continua a fazê-lo. Porque quando perguntamos o que mudou,
a resposta é trágica: quase nada. Além do discurso, praticamente tudo está na
mesma.
É claro, inverter o esvaziamento do interior não se alcança
num ano. Todavia, é preciso começar. E, ao invés, assistimos aos mesmos erros.
Ter notícia do encerramento de postos da GNR ou ver o único banco público a
fechar balcões é tudo o que não podia acontecer depois de Pedrógão. Enquanto o
país se despovoa, a tragédia continuará a acontecer. E de nada valerá obrigar à
limpeza da floresta, não estará lá ninguém para o fazer.
Paula Ferreira in “Jornal de Notícias” – 19/6/2018