António Costa abriu o
Congresso a puxar pelos galões de Esquerda do PS e fechou-o jurando combater a
precariedade. Dois dias depois era apresentado um acordo com os patrões que
deixa quase tudo na mesma na legislação laboral.
A proteção do emprego é
importante para o Governo, mas não o suficiente para retirar marca que a troika
deixou no Código de Trabalho. Mantêm-se os cortes nas férias, no valor das
horas extra, no descanso compensatório por trabalho suplementar e nas
compensações por despedimento.
A contratação coletiva
é importante para o Governo, mas não o suficiente para alterar a regra da
caducidade das convenções coletivas por exclusiva vontade dos patrões. O
combate à precariedade é muito importante para o Governo, mas não o suficiente
para pôr em prática as medidas acordadas com o Bloco.
O que chegou à
Concertação Social já era minimal: limitação na contratação a prazo de jovens e
desempregados; um adicional de 3% à TSU no caso das empresas com mais contratos
a termo que a média do seu setor; o banco de horas individual limitado à
contratação coletiva; o máximo de seis renovações nos contratos temporários.
Depois da pressão dos
patrões, o que sai da concertação fica abaixo dos mínimos e esvazia o discurso
do Governo. Os contratos a prazo são limitados, mas o período experimental é
duplicado e facilita-se o acesso a precaríssimos contratos de muito curta
duração; a taxa sobre a rotatividade avança, mas só em 2%, de aplicação
progressiva e só para alguns contratos; o bancos de horas acaba - mas não já! -
e afinal pode ser imposto fora da contratação coletiva; o número de renovações
de contratos temporários é limitado só nos casos em que a contratação
temporária já é ilegal.
A diferença entre o que
entrou e o que saiu da Concertação Social é a força do interesse patronal. Essa
força quer que nada mude, que a precariedade continue a ser a norma e já
explicaram a PSD e CDS que o acordo é para aprovar.
Governar é escolher. E
as escolhas que defendem a maioria das pessoas são precisamente aquelas que
despertam a ira de quem lucra com o abuso. Privilegiar os patrões nas leis que
combatem a precariedade é o equivalente a proteger os acionistas da EDP no
combate às rendas da energia: uma impossibilidade técnica.
Para quem se governa? É
esta escolha - e não os discursos identitários -, que define a latitude de um
partido político no espectro ideológico. No seu discurso, António Costa
respondeu também a quem se perguntava sobre o novo compromisso do PS com uma
governação à Esquerda: "Estamos onde sempre estivemos e estaremos
exatamente onde estamos". Que pena.
Mariana Mortágua in “Jornal
de Notícias” – 5/6/2018