O ministro Siza Vieira saiu em defesa dos vistos gold,
usando o mesmo argumento que Paulo Portas repetia à exaustão, a "atração
de investimento estrangeiro". Mas se já em 2013 a resposta era
poucochinha e falaciosa, hoje é quase uma provocação.
Houvesse uma pinga de sentido crítico e o Governo teria de
responder por este investimento, pelas suas origens e pelos seus fins. E o
ministro Siza Vieira teria de explicar exatamente porque é que este regime
obsceno é "positivo" para o país.
Tempos houve em que era possível mentir e dizer que os
vistos gold iriam criar emprego. Hoje sabemos que, dos 5876 vistos atribuídos,
só nove foram pela criação de postos de trabalho e que 95% se deveram à compra
de imóveis. Mais, sabemos que, como o limite mínimo para atribuição do visto
dourado é meio milhão de euros, muitas agências inflacionaram os preços das
casas de luxo, compradas à distância por magnatas chineses, brasileiros, russos
ou angolanos. Sabemos que este movimento é parte da espiral especulativa em
curso nos mercados imobiliários de Lisboa e Porto. Em suma, sabemos que os
vistos gold não atraíram investimento produtivo, não criaram emprego, não
acrescentaram nada ao país a não ser um mercado de luxo que está a contribuir
para deixar milhares de pessoas sem casa que possam pagar.
Mas o problema não está apenas naquilo para que os vistos
gold não servem. O problema está no verdadeiro propósito deste regime, que é
vender a cidadania europeia a milionários.
Um regime que trafica cidadanias é uma porta aberta para
corruptos e criminosos à procura de forma de branquear o seu dinheiro.
Procurados pela Interpol, magnatas envolvidos na Lava Jato e oligarquia
angolana, os vistos gold servem a todos e não são seletivos. Além disso, tal
como alerta o Consórcio Global Anticorrupção, o julgamento de 11 dirigentes da
administração pública (incluindo o ex-ministro do PSD Miguel Macedo) por
tráfico de influências associado à atribuição de vistos gold, mostra como estes
regimes podem corromper governos.
O que sobra sempre da discussão sobre os vistos gold é a
certeza da inversão de valores que faz com que se aceite acriticamente que a
cidadania é uma coisa que se vende e não um direito. E que nem importa se são
especuladores ou corruptos, se o investimento serve o país ou não, desde que o
dinheiro continue a entrar.
Ao contrário do que afirma Siza Vieira, não há nada de
positivo a apontar ao regime dos vistos gold. Quanto mais não seja, é estranho
que ao ministro não pareça perversa a ideia de um país que vende vistos
dourados numa Europa que deixa milhões a morrer às suas portas.
Mariana Mortágua in "Jornal de Notícias" - 19/6/2018