13.6.18

OPINIÃO: Os temas que cansam

Em conversa recente com amigos sobre o incêndio de Pedrógão, um deles dizia que as pessoas já "estão cansadas" de notícias sobre o tema. A frase ficou-me insistente na cabeça e volta e meia lembro-me de tantas e tantas razões pelas quais não nos podemos calar. Muito menos cansar.
Está quase a decorrer um ano sobre o mais trágico fogo de que há memória em Portugal e por estes dias serão abundantes as reportagens e regressos ao local. E há o risco de essas evocações se tornarem burocráticas, olhadas como obrigação ditada pelo calendário.
Um ano depois, há obras de reconstrução que continuam por fazer. Empresas que tentam normalizar a atividade. Famílias ainda em luto com um vazio inultrapassável. Feridas literalmente marcadas na pele. O medo de uma nova tempestade, um medo tão intenso que há quem se assuste cada vez que o vento sopra com força.
Além das tragédias pessoais, tão íntimas que cada um saberá a sua, há um país envelhecido e frágil que luta para sobreviver à passagem das chamas. O tal país rural de que volta e meia se fala, para o qual tardam medidas e investimento sério. Concelhos em que a morte e a perda são realidades quotidianas. Em que a esperança de novas vidas não passa de um exercício de fé.


Nada disto é novo e talvez essa seja a raiz do cansaço com as notícias. Quando faltam palavras novas, e sobretudo novas realidades, é natural sentirmos que o silêncio é preferível a gritos repetidos. Mas falar é o mínimo a fazer para evitar o esquecimento. Para lutar por uma mudança que exige decisões políticas, visão empresarial e envolvimento de toda a sociedade. Uma mudança de frutos lentos e sem qualquer garantia.

As vítimas de Pedrógão estão saturadas de jornalistas e cansadas de falar. Nós, todos nós, não podemos cansar-nos nunca. É o mínimo que se nos exige.
Inês Cardoso in "Jornal de Notícias" - 11/6/2018