"Não me mande calar!" A voz irada de uma mulher
ouve-se em fundo numa reportagem televisiva, enquanto a comitiva de
responsáveis políticos, encabeçada pelo presidente do Governo Regional da
Madeira, atravessa o Largo da Fonte, onde a queda de um carvalho de grande
porte matou 13 pessoas. A raiva da população foi ontem evidente, com vários
moradores a testemunhar que se pede há uma década uma intervenção no local mais
visitado na freguesia do Monte.
O Ministério Público já está a investigar o acidente e
haverá, em devido tempo, apuramento de responsabilidades. Debaixo de fogo, o
presidente da Câmara do Funchal, Paulo Cafôfo, convocou os jornalistas para
esclarecer que a árvore em causa não estava sinalizada nem integrava a
correspondência trocada com a Junta de Freguesia, alertando para o risco de
acidentes. Sublinhou ainda que o carvalho caiu da encosta, de um terreno da
diocese.
Há, no entanto, perguntas difíceis de contornar. Estando em
causa um dos principais pontos turísticos da ilha, não deveria a vistoria das
árvores em risco ter merecido outro cuidado, não apenas no largo, mas na área
envolvente? Tendo havido alertas da Junta de Freguesia feitos no passado dia 5
e avisando precisamente para o risco de incidentes durante a romaria, não se
exigiria uma atuação proativa dos serviços camarários? A proteção civil existe
para identificar e minimizar riscos, não apenas para acudir em caso de
tragédia. Em Portugal, infelizmente, há uma cultura pouco enraizada no que diz
respeito à prevenção.
Ao chegar à Madeira, para levar a "solidariedade do
povo português" às famílias das vítimas, o presidente da República recusou
alimentar polémicas e disse ser hora de encarar a dor e não de falar de
responsabilidades. Mas uma coisa não exclui a outra. Começa a tornar-se um
hábito evitar o tema da responsabilidade, como se as palavras de conforto
fossem suficientes para silenciar dúvidas e críticas.
Não cabe a Marcelo Rebelo de Sousa, claro, imiscuir-se em
assuntos da competência da Câmara do Funchal. Mas o grito de revolta da mulher
citada acima faz todo o sentido. Quando 13 pessoas morrem em circunstâncias que
tudo indica poderiam ter sido evitadas, é imperativo exigir total rigor à
investigação. Os serviços públicos e os seus titulares existem para cuidar das
populações, não para vir bater-lhes no ombro em momentos de tragédia. Que nunca
se peça silêncio a quem tem motivos para a revolta.
Inês Cardoso in "Jornal de Notícias" - 16/8/2017