22.8.17

Nisa: Um concelho em chamas (2003) - página1

Poderíamos chamar-lhe a Crónica anunciada de um pais em chamas, tantas as vezes que a tragédia se repete. Este ano, nestes meses de Verão de todas as calamidades, abriram-se novas feridas, sangrentas, profundas, o chão do interior ficou juncado de cadáveres. Vidas humanas ceifadas, muitas delas bastante jovens, devoradas por um mar de chamas na que ficou conhecida pela "estrada da morte".
É assim desde há anos, sem que ninguém assuma responsabilidades, mas desta vez os sinos repicaram mais forte e fundo nas consciências dos homens. Esperemos que não seja em vão...
Em Nisa, no ano de todos os fogos de 2003, o concelho foi pasto, fácil, das chamas e de uma tragédia de incalculável dimensão humana e social. Socorro-me de um texto de Jorge Pires, publicado no "Jornal de Nisa", para juntar às fotos que António Miranda e eu tirámos durante dois dias de um roteiro pelos campos de cinza e de terra abrasada. 
Da Herdade do Maxial a Montalvão; de Santana às Termas da Fadagosa; de S. Simão a Arez e Amieira, registámos dezenas de imagens de terra calcinada, em brasa, em pranto, como que a exprimir num grito, a sua revolta. Ouvimos os lamentos, as vozes, impotentes e sem esperança, de pessoas, idosos na sua maioria, que tudo perderam, na voragem do ciclo infernal do fogo. Os campos do Alentejo, de um país que quase abraça o mar, não são para serem consumidos pela eucaliptal praga, o início de toda esta tragédia que nos cai, todos os anos, em cima. Portugal não é a Austrália. Mandem os eucaliptos pró C....... Isso mesmo para esse sítio que estão a pensar. Por alguma motivo os espanhóis, aqui mesmo ao lado na vizinha Extremadura, não caíram nesse logro...
Vamos colocar aqui, durante alguns dias, todas as fotos desse ano horrível que vestiu com as cores do luto a quase totalidade do território concelhio. 




"Quando olho para os campos da minha terra, sinto e temo que a tragédia de 2003, possa voltar a encher de tristeza este povo cuja revolta ainda não passou totalmente sobre o que aconteceu no dia 2 de Agosto daquele malfadado ano.
É, de facto, difícil de entender como é que um país tão pequeno não consegue parar este autêntico inferno que são os fogos, quase todos de origem criminosa.
Está, pois, na hora de perguntar aos nossos governantes porque é eu ainda não foi alterada a Constituição, no sentido de se poder castigar exemplarmente os criminosos que são apanhados em flagrante. Todos nós sabemos que há “caça-grossa” por detrás de tudo isto e que não são só os “pobres de espírito”, como às vezes se pretende fazer crer, os únicos culpados. 



"Por isso, há que investigar, há que colocar no terreno forças especializadas, só assim deixaremos de assistir ao terror do fogo que sem dó nem piedade, vai consumindo tudo o que levou uma ou mais vidas a construir, muitas vezes com sangue suor e lágrimas.
Diz-se por aí que a culpa também é dos proprietários dos terrenos que não limpam. Isso é um facto indesmentível. Mas, então, como era antigamente quando os campos como a nossa charneca estavam cheios de searas douradas, cuja ondulação nos encantava a vista? Então e as eiras com grandes medas de pão? O que acontece, na realidade, é que, naquele tempo, não havia interesses camuflados em jogo, nem havia tanta maldade, nem havia tanta inveja. O que havia muito, de facto, era mais respeito pela propriedade alheia e até por nós próprios."
Jorge Pires - in "Jornal de Nisa" - nº 213