Portugal
não é apenas o país-falésia que pende sobre o Atlântico, não é somente essa
massa de pedra que a qualquer instante ameaça desprender-se do resto do
continente, tal como José Saramago o imaginou, à deriva: Portugal é em si mesmo
um precipício. Um abismo profundíssimo nos limites do qual habita
imprudentemente todo um povo. Uma gente que apenas toma consciência de si e da
sua irrefletida existência quando a desgraça lhe bate à porta. Com estrondo.
Há
filósofos que chamam a isto “portugalidade”. Os poetas preferem o termo “fado”.
Certo é que o “infortúnio” (para usar a designação que é cara aos resignados) é
o único fator inalterável e persistente em todos os grandes momentos da
história geral de Portugal. “Depois da tempestade, vem a bonança”. Foi assim em
Aljubarrota, na baixa pombalina ou frente ao quartel do Carmo. Mas será que era
mesmo necessário também ser assim em Pedrógão Grande ? Esta é a questão que não carece
de resposta, para já, mas que exige muitas mais perguntas. Tantas quantas forem
necessárias para que a culpa não morra solteira.
Tantas
quantas forem precisas para que os erros de ontem não se repitam amanhã. O
momento é de recato, de reflecção, de luto. De grande consternação, bem o disse
Marcelo. Mas não deixa também de ser o momento de obrigar os eleitos da
República a olharem para o mapa de Portugal. Com olhos de ver. Para que, de uma
vez, percebam que o País não está doente, está moribundo. E que o grande mal
que o acomete é um e apenas este: a viral litoralização do território. É evidente
que nos próximos tempos muito se debaterá em torno da prevenção dos fogos, dos
meios de combate aos incêndios, de interesses instalados e de conluios
insondáveis, da má gestão da floresta e até dos maluquinhos piromaníacos. Mas a
grande questão que salvará gente no futuro, que salvaguardará a floresta e os
recursos naturais e que fará de Portugal um país inteiriço e justo tem a ver
com a revitalização do interior. Com o desenvolvimento de políticas efetivas
para a fixação de pessoas fora dos grandes centros. Com a discriminação
positiva a nível fiscal e social para quem persiste em viver no coração da
floresta, no cimo da montanha ou na vastidão da planície. Com o apoio às
empresas que se queiram instalar nestas regiões. Com a descentralização efetiva
do poder. Mas será que Pedrogão Grande os fará finalmente olhar para o mapa de
Portugal? E será que eles querem mesmo ver o País que lá vem estampado?
Paulo
Barriga in "Diário do Alentejo (Editorial) - 23/6/2017
Ilustração
: Susa Monteiro