"Ninguém
me tinha dito que um dia, a minha geração, além do desemprego, da precariedade,
da falta de perspetivas de futuro e da iminente necessidade de emigrar, teria
de ultrapassar também um gravíssimo problema de acesso à habitação",
escrevia a Capicua, na revista "Visão".
A
carência de habitações, a especulação e a pressão turística colocam-nos
problemas que não são uma mera antecipação do que está para vir. Lisboa e Porto
já estão a expulsar os seus moradores. Em breve serão produtos de luxo, montras
caras, para onde toda a gente pode olhar, mas não aceder ou usufruir.
A
tempestade é perfeita. A Lei das Rendas de Assunção Cristas liberalizou os
despejos, abrindo caminho. Os hotéis pululam, ocupando edifícios sem
contemplações. O alojamento local deixou de ser o tradicional complemento de
rendimento, o aluguer temporário ou parcial da habitação, e passou a ser uma
forma de hotelaria encapotada. Os grandes promotores aproveitam-se da
desregulação, compram prédios inteiros, expulsam quem só pode pagar 500euro
mensais para alugar a quem pague esse preço por semana. Para além dos
incentivos fiscais ou dos vistos gold, que promovem a venda de casas a não
residentes, ajudando a especulação.
Antes de
discutir o que fazer, é preciso saber se há vontade política. E nem Medina em
Lisboa, nem Moreira no Porto parecem estar muito empenhados em impedir a
desertificação, pela expulsão dos residentes, dos centros destas cidades.
Pessoalmente, aflige-me esse destino: acolher turistas, mas expulsar quem quer
morar, proporcionar conforto a quem tem altos rendimentos e dispensar cubículos
sobrevalorizados aos outros.
Ainda
vamos a tempo de travar esta vaga que outras cidades tentam agora combater. Comecemos
por distinguir o verdadeiro alojamento local, o arrendamento de parte da casa
(ou em parte do ano), da falsa hotelaria. Se o primeiro deve ter regras mais
flexíveis, o segundo deve ser registado como atividade económica, obter uma
licença e estar sujeito a regras específicas. Estabeleçamos depois limites para
esses licenciamentos, por promotor, localidade e edifício, impedindo o seu
crescimento nas zonas mais pressionadas. Utilize-se a receita fiscal
proveniente desta atividade para criar fundos de oferta pública de habitações a
rendas acessíveis. É drástico? Não. Drástico é não ter onde viver.
Mariana
Mortágua in "Jornal de Notícias" - 13/6/2017