21.6.17

VIDAS: Joaquim Louro e o futebol em Nisa

“No meu tempo a bola era "quadrada""
 Do futebol de hoje ao futebol, tal e qual se praticava em Nisa, há 60 anos, no tempo de andar “com as balizas às costas”, vai uma grande distância: o “salto” das transformações que abalaram o mundo e do poder do dinheiro, que se instalou na designada “indústria do futebol".
Joaquim da Cruz Ribeirinho Louro, nisense, 85 anos, lembra, com uma memória, por vezes ténue, outras, empolgante, o que foram esses tempos e as paixões que o futebol despertava em Nisa. Ouçamo-lo:
“ Nasci em Nisa e andei na escola do Rossio e fiz a 4ª classe, sendo aprovado com distinção. O meu professor era o senhor José Dinis Paralta e quando queria dar reguadas dizia: xi, xi, xi, . Nunca levei reguadas, mas uma vez livrei-me de levar uma quantidade delas. O professor estava a fazer perguntas a um colega e eu antecipei-me e comecei a responder por ele. Diz-me, então o professor: “Ai sabes muito? Pois vais responder a seis perguntas e se não souberes podes preparar as mãos. Eu respondi, com grande alívio, às perguntas.
Quando saí da escola estive até aos 14 anos a ajudar o meu irmão Xico, que era alfaiate e barbeiro. Fiz ainda outros trabalhos e depois fui para o Grémio da Lavoura, onde estive mais de 20 anos, como contabilista.
Trabalhei também na Barragem do Fratel, na firma Vaz Guedes, Serra e Fortunato, em Nisa na Padaria do sr. Virgílio, era eu que passava as facturas e dava alguma assistência na contabilidade, para além de ter trabalhado ainda na Seprol, uma empresa que andava a instalar a rede de esgotos em Tolosa.”
E não me falou no Cine Teatro, onde esteve alguns anos…
" Fui o bilheteiro do cinema. Antes de mim era o senhor Moniz que lá estava, era empregado do Alcobia, que trouxe e cinema à renda durante anos. O Moniz passou-me a pasta a mim quando a exploração do Cine Teatro passou para a firma António Mendes, que era o pai do senhor Vilela.
Vendi bilhetes durante muitos anos, recebíamos uma bagatela, 3 ou 4 escudos. O cinema também não dava para mais e sempre víamos algum filme. Antigamente havia muita gente a ir ao cinema. Filmes de cowboys  e de romanos era sempre casa cheia. Isso hoje acabou e eu nunca mais fui ao cinema, a não ser a alguns espectáculos ou iniciativas da Câmara para idosos.
Vamos lá então ao futebol…
" Comecei a jogar aos 18 anos no Sport Lisboa e Nisa (Benfica). Os jogos eram no campo do Alto de Palhais e ali jogávamos com o Alpalhão, Ponte de Sor, Alter e outras equipas. Havia muita gente a ver os jogos, era um disparate.

Quando apareceu o Sporting em Nisa, nos finais dos anos 30, a direcção disse-nos: “rapaziada, aqueles que são sportinguistas e quiserem sair, podem sair à vontade”. E eu, o Jaime Matutino e outros fomos jogar para o Sporting. E foi pelo Sporting que nós ganhamos ao Benfica de Nisa por 4-3 na inauguração do Campo do Sobreiro. O campo estava cheio, eu jogava a interior-direito. Nesse tempo, não era como agora. As equipas jogavam “à inglesa”, com cinco avançados, para marcar muitos golos.
O Sporting de Nisa teve uma existência muito curta?
" Sim, durou pouco tempo. Quando comecei a jogar já havia campo. O terreno no Alto de Palhais era do sr. Júlio Bento e do pai do sr. Isaac. Eram pessoas muito bairristas e também gostavam de futebol.
O Campo do Sobreiro esteve primeiro cedido ao Sporting, pois o Dr. Carlos Bento estava casado com uma filha do sr. Aníbal Vieira, o dr. Graça. Como o Sporting acabou, o campo continuou a ser utilizado pelo Benfica até hoje.
O Sporting tinha uma sede na rua do Mártir, por cima da casa do sr. Mário Bicho, numa casa do sr. Passinhas. O contínuo era o ti Manuel Marzia e a casa tinha um grande quintal onde se faziam bailes com muita gente. Naquela altura, o povo era quase todo sportinguista."
Quantos anos jogou à bola?
" Joguei futebol durante 15 anos. No Benfica e no Sporting. Gostava muito de jogar e era essa paixão que nos motivava. Nunca ganhámos nada. Uma vez, quando me mudei do Benfica para o Sporting ainda levei uma estalada do meu pai, lembro-me bem, à lareira, pois ele queria que eu jogasse no Benfica, não por ser benfiquista (era do Sporting) mas por respeito e afeição ao dr. Granja, um grande benfiquista que Nisa teve.
Nunca tive problemas com o futebol. Jogava-se rijo, corria-se muito, havia por vezes umas cacetadas, no calor dos jogos, mas depois tudo serenava. Era tudo boa gente. Jogava-se mais com o físico, não havia a técnica que há agora. Nem a técnica, nem os treinos e muito menos as condições que há hoje.
Uma vez fomos jogar ao Crato e viajámos numa carroça do ti Zé Moleiro. Demorámos 3 ou 4 horas daqui para lá e chegámos a casa já bem de noite."
Como foi o seu percurso de treinador?
" Eu propriamente treinador encartado nunca fui. Sendo sportinguista e sócio do Nisa e Benfica dei sempre a minha melhor colaboração a qualquer das direcções que me pediram para eu treinar, fosse a equipa de juniores, fosse a dos seniores. Treinava sem qualquer manual, baseava-me mais naquilo que eu sabia e na minha experiência pessoal. O que eu exigia era a preparação física. Esta é a base principal de qualquer jogador. Futebolista mal preparado não pode competir e não pode dar bom resultado."
Futebol de ontem, futebol actual. Quais as semelhanças e diferenças?
" Gosto muito de futebol e sempre que possível vou acompanhando. As arbitragens não condizem com aquilo que o futebol precisa, tem de haver mais verdade no jogo. O futebol agora é muito mais técnico, no geral. Privilegia-se a defesa, não sofrer golos, no meu tempo era ao contrário: marcar quantos mais melhor.
Em Nisa, tenho pena do que se está a passar, sem termos uma equipa sénior de futebol. No meu tempo tivemos duas, duas grandes equipas e lastimo bastante que não haja futebol em Nisa. As pessoas têm que acordar.
Eu joguei futebol, o que dei ao futebol foi de vontade e por prazer. Posso não ter agradado a muitos, mas nem eu nem os meus colegas desse tempo tiveram qualquer benefício em serem jogadores. Só um grande prazer e uma forte paixão.”
Se calhar é o que falta a muitos dos nossos “ídolos” com pés de barro…
Mário Mendes in "Jornal de Nisa" nº 219- 2006