João Emílio Baptista Rosa nasceu em Nisa a 18 de Agosto de
1925 e faleceu em Lisboa, aos 57 anos, a 6 de Outubro de 1982.
Um Amor Entre Cinema e Televisão
O privilégio de se ter trabalhado na RTP na década de 60 do
século XX, então RadioTelevisão Portuguesa, para além de se ter a garantia de
emprego para o futuro, havia a grande vantagem de se lidar de perto com aqueles
que detinham o poder e a capacidade de fazerem Cinema e Televisão em Portugal.
No nosso caso tudo começou em Novembro de 1963, sendo
Baptista Rosa uma das primeiras “estrelas”, entre muitas, com quem contactamos,
então, pouco restando da sua existência para as gerações mais recentes desta
proeminente figura do Audiovisual português, da qual reservamos na nossa
memória a sua fisionomia, o seu inconfundível bigode, o sorriso “maroto”, a
máquina de filmar de 16mm debaixo do braço direito, o seu timbre de voz, para
além da amizade e carinho para connosco e a sua dedicação à actividade que escolheu
e viveu de “alma e coração”.
Capitão Baptista Rosa, mais tarde Major a que se seguiu a
patente de Tenente-Coronel, nome porque era conhecido entre amigos e seus pares
profissionais, de nome completo João Emílio Baptista Rosa, nasceu no Alentejo,
mais propriamente em Niza, a 18 de Agosto de 1925 e faleceu em Lisboa, a 6 de Outubro, de 1982, tendo sido, ao longo
da sua curta vida, Guionista, Realizador, Produtor, Actor, Operador de Câmara,
Montador, Jornalista e Escritor.
O seu amor ao Cinema era tão profundo que o levou a
abandonar, sucessivamente, o Curso de Direito assim como o Curso de Letras,
ambos da respectiva Faculdade de Lisboa, seguindo nestas opções o seu mestre,
António Lopes Ribeiro, o qual também não concluiu o Curso de Engenharia no
Instituto Superior Técnico, pelas mesmas razões.
Na qualidade de colaborador da Revista “Animatógrafo”, com
direcção de António Lopes Ribeiro
(1933/1941), Baptista Rosa escrevia as suas crónicas e críticas sobre o Cinema
que se fazia naquela época.
Com a experiência adquirida rumou a Espanha (Madrid) no ano
de 1946, tendo, então, trabalhado com o cineasta húngaro Ladislao Vajda, o qual
foi durante a época de 40 e 50 um elemento fundamental do Cinema espanhol,
destacando-se, para o efeito, um filme que marcou a juventude Ibérica e da
América Latina, na qual nos incluímos, precisamente “Marcelino, Pão e Vinho”,
com um desempenho infantil notável da parte de Pablito Calvo (Pablo Calvo
Hidalgo), à data com apenas 7 anos de idade.
Fundou e dirigiu a revista IMAGEM de 1954 a 1959, a qual se dedicava à
divulgação da actividade cinematográfica.
A visita da Rainha Isabel II a Portugal em 1956 foi
outro marco fundamental do contributo de Baptista Rosa para a história do Cinema e Televisão
no nosso País, razão pela qual não resistimos à transcrição de um depoimento
sobre este evento deAugusto Cabrita presente no Livro “50 Anos da RTP”, da autoria do comum
Amigo Vasco Hogan Teves:
“Foram mobilizados para cobrir o acontecimento todos
os ‘cameramen’ possíveis deste País” – relembrava Augusto Cabrita
acrescentando: “E eu, como só possuía máquinas fotográficas, tive que comprar à
pressa uma reluzente e magnífica ‘Paillard-Reflex’. (...) O Baptista Rosa na
sua farda de tenente do Exército, filmava, em grande plano, a chegada da Rainha
junto ao Cais das Colunas. Eu (em ‘plongée’...), do cimo do Arco da Rua
Augusta, fazia os planos de conjunto. O José Manuel Tudela, o Carlos Tudela, o
Serras Fernandes, o Adriano Nazareth, o Vítor Manuel, o João Martins, o António
Cunha Teles, o Walter Sampaio, o António Bernardo, o Artur Moura... e os outros
membros da equipa espalhavam-se por sítios estratégicos da cidade até Queluz...
Mas, após os planos de conjunto feitos do meu poleiro, ainda me lembrei de
fazer um ‘extra’ (fora da planificação) que foi descer à pressa a escadaria e
achar-me ao nível da rua a tempo de enquadrar Craveiro Lopes e Isabel II sob o
Arco, e segui-los, numa correria doida, de máquina em punho, passando pelo
Rossio, Restauradores, subir a Avenida e chegar ao Marquês, exausto como o
corredor da Maratona...”
Tirando o máximo partido da sua farda de oficial, Baptista Rosa
infiltrou-se por quantos sítios foi possível para apanhar as melhores imagens.
Quebrou alguns protocolos, mas, graças a isso, impressionou uns tantos metros
de filme com imagens que ninguém mais conseguiu. Como, por exemplo, aquela do
interior do coche, com os sorrisos de Isabel e Craveiro (e sabe-se como era
difícil fazê-lo sorrir) em primeiríssimo plano, enquanto os seguranças,
aturdidos , só se aperceberam do que se passara quando já nada podiam fazer. É
que o Baptista Rosa fora demasiado rápido a abrir a porta da carruagem e a
assestar a objectiva.
Casos como este não são possíveis de planificar. Manuel Figueira e
Baptista Rosa pensavam que podiam vir a contar com eles, já que não ignoravam
que é da argúcia do Operador ao saber aproveitar as situações, da capacidade
que ele tem de adivinhar o imprevisto, que saem os grandes momentos de
reportagem. Mas isso se veria depois, sobre o terreno, na chamada hora da verdade.
Agora, ali, à volta da mesa, entre o fumo de muitos cigarros, o que mais lhes
interessava era riscar itinerários, pontuar posições de filmagens, escalar quem
para onde, acertar as metragens de película a impressionar, conjugar tudo,
enfim, com a rede final de transporte até ao laboratório. A experiência de
Baptista Rosa (de quem o seu companheiro de então, Manuel Figueira, diria, anos
mais tarde, por ocasião da sua morte, “foi o primeiro e o maior Jornalista da
imagem viva que tivemos em Portugal”), o conhecimento que ele tinha de como as
coisas se faziam para resultarem, ajudou muito a jovem equipa que concretizou a
reportagem da Rainha. E ainda lhe ia deixando tempo para dar livre curso a um
característico bom humor, algumas vezes matreiro. Como se vai ver: para equipar
uma máquina “Paillard” chegara, entretanto, uma objectiva de foco variável
(“pancinor”, para os técnicos). Era “brinquedo” muito cobiçado pelos
Operadores, por permitir, por simples accionar de alavanca, ir buscar,
rapidamente, a imagem mais desejada (ou o pormenor dela), lá onde estivesse.
Embora conhecedor, o Baptista Rosa também se encantou com o objecto; o
Figueira, então ainda leigo na matéria, ter-se-á convencido de que “aquilo” era
uma câmara mais e sobre as rotas lisboetas de Sua Majestade Britânica fez uma
profusa distribuição de “pancinors”... Até que o tremelicar do bigode de
Baptista Rosa lhe revelou que estava a “meter água”...
No livro “Baptista Rosa”,
uma edição de 1984 da Cinemateca
Portuguesa, com a organização literária de José
Matos-Cruz, pode ler-se no prefácio da autoria de Luís
de Pina, então Director da Cinemateca:
“Conheci Baptista Rosa durante a fase heróica da Radiotelevisão
Portuguesa, aí pelo ano de 1958. Sentado a uma moviola de 16mm, com os olhos
cravados nas imagens e as mãos crispadas nos comandos da máquina, utilizava um
método muito pouco ortodoxo mas ainda hoje seguido, pendurando os planos do
filme no pescoço, à medida que a sequência ia sendo alinhavada.
Era aquele, na verdade, o seu elemento. Mais repórter do que
escritor, mais à vontade na montagem do que na realização, a tendência habitual
do seu espírito fadava-o para a curiosidade insaciável por todas as pessoas e
por todas as coisas. Se escrever é pensar com os dedos, como dizia um grande
Jornalista, Baptista Rosa servia-se dos olhos para nos revelar o grande
espectáculo, o grande Cinema da vida. A câmara e a moviola eram as companheiras
de todas as horas”.
No mesmo livro destacamos a Introdução feita pelo seu coordenador, o
historiador José de Matos-Cruz:
“Na galeria de autênticos profissionais do Cinema Nacional,
Baptista Rosa ocupa uma posição atípica e singular. Pela sua multifacetada
capacidade como técnico, pela viva experiência enquanto escritor e repórter,
pelo carácter específico das Obras que assinou.
Dividido entre afazeres e apetências, distribuindo-se por áreas e
motivações frequentemente insuspeitáveis, Baptista Rosa dedicou décadas – o
melhor esforço aos Serviços Cartográficos do Exército e à Radiotelevisão
Portuguesa.
Apesar da escassa e esparsa carreira como Realizador, em que
pareceu abdicar de um cunho de artista, a relevância cultural ou pedagógica dos
seus principais filmes continua – porém – indiscutível, cada um deles se
destacando pelo alcance temático e a sugestão do Audiovisual.
Controverso e versátil, fascinante e hábil, competente e
incansável, Baptista Rosa permanece – acima de tudo – como uma figura pública
de insuperável relevância entre nós, com prestígio e simpatia um pouco por todo
o Mundo que veio a percorrer”.
- Parece-lhe que o Cinema nacional virá a colaborar com a
Televisão?
A
que Baptista Rosa respondeu:
- O estado de crise em que infelizmente vive o Cinema nacional não
deixa prever uma colaboração que só poderia ser proveitosa para ambos os lados,
conseguindo-se resultados de que o estrangeiro só agora começa a aperceber-se.
Contudo, é de esperar que o Lumiar venha a ser o maior
beneficiado, pois os filmes terão honras e lucros de larga reposição, alguns
técnicos - como eu - encontrarão na T.V. novas oportunidades de trabalho, e os
estúdios e laboratórios poderão ser utilizados, pelo menos até existirem os da
RTP.
O Cinema é uma das grandes fontes de produção da T.V. e certamente
que entre nós a regra se confirmará. Quanto ao receio da concorrência nem há
que encará-lo, porque uma coisa não dispensa a outra.
Das inúmeras entrevistas que deu ao longo da sua vida há uma, à Revista
Cine-Discoem Janeiro de 1969, a qual marca, com muita precisão, o
carácter e o querer de um Homem virado para o desenvolvimento do Cinema em
Portugal, dando às “modas” vigentes então na Europa, em especial em França,
o necessário suporte.
À
pergunta:
“Admite a existência de um "novo cinema
português"?"
Baptista
Rosa, no seu jeito peculiar, respondeu:
“Eu faço questão de invocar para mim a paternidade da expressão
, que em 1958 utilizei para chamar a atenção sobre
o talento de Fernando Lopes e outros.
Eu, que comecei e aprendi com o , fiz
há dez anos a mais entusiástica campanha em favor de uma nova geração que
começava a surgir e arrisquei tudo – até dinheiro – para que ela vingasse.
Aliás, não era difícil reconhecer a essa gente todas as condições para
conseguir fazer filmes que conquistassem um sector do público sempre afastado
do cinema português (os jovens e os intelectuais), e reconquistasse os favores
do restante público, já então desinteressado das produções do Lumiar”.
Tendo concluído, que:
“Um - quando bem estruturado – reúne todas as possibilidades de
ganhar um novo público. Satisfaz a certeza de que a nova geração não inclui
apenas realizadores (entre nós toda a gente pretende realizar...), mas conta
também com excelentes operadores, montadores, compositores, cenógrafos, etc.
Faltam-lhe dois ou três directores de produção (no bom sentido da
função) e alguns intérpretes...”.
Foi, em 1978, juntamente com Odette
de Saint-Maurice, Afonso Botelho, Aquilino
Mendes, Pinheiro de Azevedo (ex-Primeiro
Ministro), Tomás Rosa (ex-Presidente da RTP), Maria
Nunes Forte, entre muitos outros, o fundador da RTI (RadioTelevisãoIndependente), num período em que ninguém falava de Televisão
privada em Portugal, sendo esta acção denominada por: “Um Projecto de T.V.”
A ideia da necessidade de criação do ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento)
nasceu no início dos anos 80,
tendo Baptista Rosa participado no Grupo de Trabalho então
constituído para o efeito.
O seu grande Amigo Augusto Cabrita, com quem partilhou
imensos trabalhos, escreveu, em Setembro de 1984, ou seja, 23 meses após a sua morte física:
BAPTISTA ROSA - A ALEGRIA DE VIVER O CINEMA
Vi há momentos Baptista Rosa vivo na Televisão.
Fui apanhado de surpresa.
Inglaterra 1966.
Imagens de arquivo fazem-no entrar em nossas casas: alegre, bem
disposto como sempre.
O Cinema – um dos seus maiores Amigos – faz o milagre de o animar.
Vem pela mão dele.
Absorve-nos com a alegria dos seus gestos.
A equipa de todos nós está prestes a entrar em campo.
Baptista Rosa lá em baixo, no relvado, conversa com Nuno Ferrari e
outros repórteres que não reconheço – tal é a força da sua presença no
enquadramento.
Um zoom para trás descobre o todo.
Baptista Rosa, em plano de conjunto, domina ainda toda a situação.
É uma festa!
Toda a sua grande alegria de viver está ali, à cadência de 24
imagens por segundo.
(25 imagens se quisermos ser precisos na sua transmissão
televisiva).
E não só a sua alegria é transmitida, mas também a dos outros –
tal a força de comunicação que ele imprime.
Estou contagiado.
Do outro lado do ecrã, eu que ao princípio fiquei comovido por ver
ali um Amigo que infelizmente já não nos dá o prazer do seu convívio, torno-me
de repente alegre, bem disposto.
Baptista Rosa está ali, vivo, em nossas casas pelo milagre do
Cinema.
Vem-me à memória Roma, Bruxelas, Brasil – as suas belas e vivas
reportagens.
Ouço a sua voz embargada abraçar o Manuel Figueira, quando o filme
partiu da Tóbis, sobre a hora, para o Telejornal e dizer: -Conseguimos!
Recordo
as viagens que fizemos: México, Canadá, U.S.A. (o seu fascínio por
Hollywood!...) e a grande alegria que punha sempre nas "coisas" que eu
fazia (que fazíamos).
Vem-me à memória o “Horizonte”, o “Hello Jim”, “O Forcado” e o seu enorme talento em articular pedaços de filme, na montagem, para “dominar” o espaço e o tempo...
Recordo o seu “Romance do Luachimo” ...
Vem-me à memória o “Horizonte”, o “Hello Jim”, “O Forcado” e o seu enorme talento em articular pedaços de filme, na montagem, para “dominar” o espaço e o tempo...
Recordo o seu
E todo o incentivo e a Amizade que me deu nos nossos anos de
Cinema e de Televisão.
O programa desportivo "Troféu" continua.
Já não se vê Baptista Rosa e os seus Amigos.
As jogadas do Eusébio e do José Augusto dominam agora toda a
situação...
Mas daqui a muitos anos, se o acaso levar a Televisão a devolver
aquelas imagens de arquivo em que Baptista Rosa e outros repórteres antecedem –
como prelúdio – a entrada dos , os netos do Eusébio e do José
Augusto, decerto que dirão para os amigos:
-Olhem, aqueles olhos que ali vêm, VIRAM – fotografaram e filmaram
o meu Avô a jogar à bola!