5.11.13

GENTE DE NISA: Recordando Baptista Rosa (I)

João Emílio Baptista Rosa nasceu em Nisa a 18 de Agosto de 1925 e faleceu em Lisboa, aos 57 anos, a 6 de Outubro de 1982.
Um Amor Entre Cinema e Televisão
O privilégio de se ter trabalhado na RTP na década de 60 do século XX, então RadioTelevisão Portuguesa, para além de se ter a garantia de emprego para o futuro, havia a grande vantagem de se lidar de perto com aqueles que detinham o poder e a capacidade de fazerem Cinema e Televisão em Portugal.
No nosso caso tudo começou em Novembro de 1963, sendo Baptista Rosa uma das primeiras “estrelas”, entre muitas, com quem contactamos, então, pouco restando da sua existência para as gerações mais recentes desta proeminente figura do Audiovisual português, da qual reservamos na nossa memória a sua fisionomia, o seu inconfundível bigode, o sorriso “maroto”, a máquina de filmar de 16mm debaixo do braço direito, o seu timbre de voz, para além da amizade e carinho para connosco e a sua dedicação à actividade que escolheu e viveu de “alma e coração”.
Capitão Baptista Rosa, mais tarde Major a que se seguiu a patente de Tenente-Coronel, nome porque era conhecido entre amigos e seus pares profissionais, de nome completo João Emílio Baptista Rosa, nasceu no Alentejo, mais propriamente em Niza, a 18 de Agosto de 1925 e faleceu em Lisboa, a  6 de Outubro, de 1982, tendo sido, ao longo da sua curta vida, Guionista, Realizador, Produtor, Actor, Operador de Câmara, Montador, Jornalista e Escritor.
O seu amor ao Cinema era tão profundo que o levou a abandonar, sucessivamente, o Curso de Direito assim como o Curso de Letras, ambos da respectiva Faculdade de Lisboa, seguindo nestas opções o seu mestre, António Lopes Ribeiro, o qual também não concluiu o Curso de Engenharia no Instituto Superior Técnico, pelas mesmas razões.
Na qualidade de colaborador da Revista “Animatógrafo”, com direcção de  António Lopes Ribeiro (1933/1941), Baptista Rosa escrevia as suas crónicas e críticas sobre o Cinema que se fazia naquela época.
 Em 1941 desempenhou a função de estagiário no filme “O Pai Tirano”, realizado por António Lopes Ribeiro, e, logo de seguida no filme “O Pátio das Cantigas”, realizado por Francisco Ribeiro (Ribeirinho).
Com a experiência adquirida rumou a Espanha (Madrid) no ano de 1946, tendo, então, trabalhado com o cineasta húngaro Ladislao Vajda, o qual foi durante a época de 40 e 50 um elemento fundamental do Cinema espanhol, destacando-se, para o efeito, um filme que marcou a juventude Ibérica e da América Latina, na qual nos incluímos, precisamente “Marcelino, Pão e Vinho”, com um desempenho infantil notável da parte de Pablito Calvo (Pablo Calvo Hidalgo), à data com apenas 7 anos de idade.
Fundou e dirigiu a revista IMAGEM de 1954 a 1959, a qual se dedicava à divulgação da actividade cinematográfica.
A visita da Rainha Isabel II a Portugal em 1956 foi outro marco fundamental do contributo de Baptista Rosa para a história do Cinema e Televisão no nosso País, razão pela qual não resistimos à transcrição de um depoimento sobre este evento deAugusto Cabrita presente no Livro “50 Anos da RTP”, da autoria do comum Amigo Vasco Hogan Teves:
“Foram mobilizados para cobrir o acontecimento todos os ‘cameramen’ possíveis deste País” – relembrava Augusto Cabrita acrescentando: “E eu, como só possuía máquinas fotográficas, tive que comprar à pressa uma reluzente e magnífica ‘Paillard-Reflex’. (...) O Baptista Rosa na sua farda de tenente do Exército, filmava, em grande plano, a chegada da Rainha junto ao Cais das Colunas. Eu (em ‘plongée’...), do cimo do Arco da Rua Augusta, fazia os planos de conjunto. O José Manuel Tudela, o Carlos Tudela, o Serras Fernandes, o Adriano Nazareth, o Vítor Manuel, o João Martins, o António Cunha Teles, o Walter Sampaio, o António Bernardo, o Artur Moura... e os outros membros da equipa espalhavam-se por sítios estratégicos da cidade até Queluz... Mas, após os planos de conjunto feitos do meu poleiro, ainda me lembrei de fazer um ‘extra’ (fora da planificação) que foi descer à pressa a escadaria e achar-me ao nível da rua a tempo de enquadrar Craveiro Lopes e Isabel II sob o Arco, e segui-los, numa correria doida, de máquina em punho, passando pelo Rossio, Restauradores, subir a Avenida e chegar ao Marquês, exausto como o corredor da Maratona...”
Tirando o máximo partido da sua farda de oficial, Baptista Rosa infiltrou-se por quantos sítios foi possível para apanhar as melhores imagens. Quebrou alguns protocolos, mas, graças a isso, impressionou uns tantos metros de filme com imagens que ninguém mais conseguiu. Como, por exemplo, aquela do interior do coche, com os sorrisos de Isabel e Craveiro (e sabe-se como era difícil fazê-lo sorrir) em primeiríssimo plano, enquanto os seguranças, aturdidos , só se aperceberam do que se passara quando já nada podiam fazer. É que o Baptista Rosa fora demasiado rápido a abrir a porta da carruagem e a assestar a objectiva.
Casos como este não são possíveis de planificar. Manuel Figueira e Baptista Rosa pensavam que podiam vir a contar com eles, já que não ignoravam que é da argúcia do Operador ao saber aproveitar as situações, da capacidade que ele tem de adivinhar o imprevisto, que saem os grandes momentos de reportagem. Mas isso se veria depois, sobre o terreno, na chamada hora da verdade. Agora, ali, à volta da mesa, entre o fumo de muitos cigarros, o que mais lhes interessava era riscar itinerários, pontuar posições de filmagens, escalar quem para onde, acertar as metragens de película a impressionar, conjugar tudo, enfim, com a rede final de transporte até ao laboratório. A experiência de Baptista Rosa (de quem o seu companheiro de então, Manuel Figueira, diria, anos mais tarde, por ocasião da sua morte, “foi o primeiro e o maior Jornalista da imagem viva que tivemos em Portugal”), o conhecimento que ele tinha de como as coisas se faziam para resultarem, ajudou muito a jovem equipa que concretizou a reportagem da Rainha. E ainda lhe ia deixando tempo para dar livre curso a um característico bom humor, algumas vezes matreiro. Como se vai ver: para equipar uma máquina “Paillard” chegara, entretanto, uma objectiva de foco variável (“pancinor”, para os técnicos). Era “brinquedo” muito cobiçado pelos Operadores, por permitir, por simples accionar de alavanca, ir buscar, rapidamente, a imagem mais desejada (ou o pormenor dela), lá onde estivesse. Embora conhecedor, o Baptista Rosa também se encantou com o objecto; o Figueira, então ainda leigo na matéria, ter-se-á convencido de que “aquilo” era uma câmara mais e sobre as rotas lisboetas de Sua Majestade Britânica fez uma profusa distribuição de “pancinors”... Até que o tremelicar do bigode de Baptista Rosa lhe revelou que estava a “meter água”...
No livro “Baptista Rosa”, uma edição de 1984 da Cinemateca Portuguesa, com a organização literária de José Matos-Cruz, pode ler-se no prefácio da autoria de Luís de Pina, então Director da Cinemateca:
“Conheci Baptista Rosa durante a fase heróica da Radiotelevisão Portuguesa, aí pelo ano de 1958. Sentado a uma moviola de 16mm, com os olhos cravados nas imagens e as mãos crispadas nos comandos da máquina, utilizava um método muito pouco ortodoxo mas ainda hoje seguido, pendurando os planos do filme no pescoço, à medida que a sequência ia sendo alinhavada.
Era aquele, na verdade, o seu elemento. Mais repórter do que escritor, mais à vontade na montagem do que na realização, a tendência habitual do seu espírito fadava-o para a curiosidade insaciável por todas as pessoas e por todas as coisas. Se escrever é pensar com os dedos, como dizia um grande Jornalista, Baptista Rosa servia-se dos olhos para nos revelar o grande espectáculo, o grande Cinema da vida. A câmara e a moviola eram as companheiras de todas as horas”.
No mesmo livro destacamos a Introdução feita pelo seu coordenador, o historiador José de Matos-Cruz:
“Na galeria de autênticos profissionais do Cinema Nacional, Baptista Rosa ocupa uma posição atípica e singular. Pela sua multifacetada capacidade como técnico, pela viva experiência enquanto escritor e repórter, pelo carácter específico das Obras que assinou.
Dividido entre afazeres e apetências, distribuindo-se por áreas e motivações frequentemente insuspeitáveis, Baptista Rosa dedicou décadas – o melhor esforço aos Serviços Cartográficos do Exército e à Radiotelevisão Portuguesa.
Apesar da escassa e esparsa carreira como Realizador, em que pareceu abdicar de um cunho de artista, a relevância cultural ou pedagógica dos seus principais filmes continua – porém – indiscutível, cada um deles se destacando pelo alcance temático e a sugestão do Audiovisual.
Controverso e versátil, fascinante e hábil, competente e incansável, Baptista Rosa permanece – acima de tudo – como uma figura pública de insuperável relevância entre nós, com prestígio e simpatia um pouco por todo o Mundo que veio a percorrer”.
Numa entrevista dada à revista Rádio &Televisão de 6 de Outubro de 1956, ou seja, a cinco meses do arranque das emissões regulares da Televisão em Portugal, o Jornalista perguntou-lhe:
- Parece-lhe que o Cinema nacional virá a colaborar com a Televisão?
A que Baptista Rosa respondeu:
- O estado de crise em que infelizmente vive o Cinema nacional não deixa prever uma colaboração que só poderia ser proveitosa para ambos os lados, conseguindo-se resultados de que o estrangeiro só agora começa a aperceber-se.
Contudo, é de esperar que o Lumiar venha a ser o maior beneficiado, pois os filmes terão honras e lucros de larga reposição, alguns técnicos - como eu - encontrarão na T.V. novas oportunidades de trabalho, e os estúdios e laboratórios poderão ser utilizados, pelo menos até existirem os da RTP.
O Cinema é uma das grandes fontes de produção da T.V. e certamente que entre nós a regra se confirmará. Quanto ao receio da concorrência nem há que encará-lo, porque uma coisa não dispensa a outra.
Das inúmeras entrevistas que deu ao longo da sua vida há uma, à Revista Cine-Discoem Janeiro de 1969, a qual marca, com muita precisão, o carácter e o querer de um Homem virado para o desenvolvimento do Cinema em Portugal, dando às “modas” vigentes então na Europa, em especial em França, o necessário suporte.
À pergunta:
Admite a existência de um "novo cinema português"?"
Baptista Rosa, no seu jeito peculiar, respondeu:
“Eu faço questão de invocar para mim a paternidade da expressão , que em 1958 utilizei para chamar a atenção sobre o talento de Fernando Lopes e outros.
Eu, que comecei e aprendi com o , fiz há dez anos a mais entusiástica campanha em favor de uma nova geração que começava a surgir e arrisquei tudo – até dinheiro – para que ela vingasse. Aliás, não era difícil reconhecer a essa gente todas as condições para conseguir fazer filmes que conquistassem um sector do público sempre afastado do cinema português (os jovens e os intelectuais), e reconquistasse os favores do restante público, já então desinteressado das produções do Lumiar”.
Tendo concluído, que:
“Um - quando bem estruturado – reúne todas as possibilidades de ganhar um novo público. Satisfaz a certeza de que a nova geração não inclui apenas realizadores (entre nós toda a gente pretende realizar...), mas conta também com excelentes operadores, montadores, compositores, cenógrafos, etc.
Faltam-lhe dois ou três directores de produção (no bom sentido da função) e alguns intérpretes...”.
Foi, em 1978, juntamente com Odette de Saint-Maurice, Afonso Botelho, Aquilino Mendes, Pinheiro de Azevedo (ex-Primeiro Ministro), Tomás Rosa (ex-Presidente da RTP), Maria Nunes Forte, entre muitos outros, o fundador da RTI (RadioTelevisãoIndependente), num período em que ninguém falava de Televisão privada em Portugal, sendo esta acção denominada por: “Um Projecto de T.V.”
A ideia da necessidade de criação do ANIM (Arquivo Nacional das Imagens em Movimento) nasceu no início dos anos 80, tendo Baptista Rosa participado no Grupo de Trabalho então constituído para o efeito.
O seu grande Amigo Augusto Cabrita, com quem partilhou imensos trabalhos, escreveu, em Setembro de 1984, ou seja, 23 meses após a sua morte física:
BAPTISTA ROSA - A ALEGRIA DE VIVER O CINEMA
Vi há momentos Baptista Rosa vivo na Televisão.
Fui apanhado de surpresa.
Inglaterra 1966.
Imagens de arquivo fazem-no entrar em nossas casas: alegre, bem disposto como sempre.
O Cinema – um dos seus maiores Amigos – faz o milagre de o animar.
Vem pela mão dele.
Absorve-nos com a alegria dos seus gestos.
A equipa de todos nós está prestes a entrar em campo.
Baptista Rosa lá em baixo, no relvado, conversa com Nuno Ferrari e outros repórteres que não reconheço – tal é a força da sua presença no enquadramento.
Um zoom para trás descobre o todo.
Baptista Rosa, em plano de conjunto, domina ainda toda a situação.
É uma festa!
Toda a sua grande alegria de viver está ali, à cadência de 24 imagens por segundo.
(25 imagens se quisermos ser precisos na sua transmissão televisiva).
E não só a sua alegria é transmitida, mas também a dos outros – tal a força de comunicação que ele imprime.
Estou contagiado.
Do outro lado do ecrã, eu que ao princípio fiquei comovido por ver ali um Amigo que infelizmente já não nos dá o prazer do seu convívio, torno-me de repente alegre, bem disposto.
Baptista Rosa está ali, vivo, em nossas casas pelo milagre do Cinema.
Vem-me à memória Roma, Bruxelas, Brasil – as suas belas e vivas reportagens.
Vejo as suas mãos sem pele quando terminou a montagem da primeira grande reportagem da R.T.P.: .
Ouço a sua voz embargada abraçar o Manuel Figueira, quando o filme partiu da Tóbis, sobre a hora, para o Telejornal e dizer: -Conseguimos!
Recordo as viagens que fizemos: México, Canadá, U.S.A. (o seu fascínio por Hollywood!...) e a grande alegria que punha sempre nas "coisas" que eu fazia (que fazíamos).
Vem-me à memória o “Horizonte”, o “Hello Jim”, “O Forcado” e o seu enorme talento em articular pedaços de filme, na montagem, para “dominar” o espaço e o tempo...
Recordo o seu “Romance do Luachimo” ...
E todo o incentivo e a Amizade que me deu nos nossos anos de Cinema e de Televisão.
O programa desportivo "Troféu" continua.
Já não se vê Baptista Rosa e os seus Amigos.
As jogadas do Eusébio e do José Augusto dominam agora toda a situação...
Mas daqui a muitos anos, se o acaso levar a Televisão a devolver aquelas imagens de arquivo em que Baptista Rosa e outros repórteres antecedem – como prelúdio – a entrada dos , os netos do Eusébio e do José Augusto, decerto que dirão para os amigos:
-Olhem, aqueles olhos que ali vêm, VIRAM – fotografaram e filmaram o meu Avô a jogar à bola!