5.3.23

OPINIÃO: Esta Igreja não é de Francisco

 
Se dúvidas havia sobre a complexidade da investigação em torno dos abusos sexuais a crianças perpetrados por elementos da Igreja Católica portuguesa, e sobretudo em torno da resistência que o Clero tem oferecido à efetiva punição dos agressores, a comunicação da Conferência Episcopal dissipou-as.
A Igreja vai pedir publicamente perdão, a Igreja vai rever diretrizes internas, a Igreja vai apoiar psicologicamente todos os abusados que assim o desejem, a Igreja vai construir um memorial às vítimas, a Igreja vai responsabilizar as comissões diocesanas pela investigação aos 100 nomes que a comissão independente lhe entregou de suspeitos que ainda estão no ativo. Mas a Igreja não tenciona indemnizar ninguém. O que vai, afinal, a Igreja fazer que fuja ao formalismo inconsequente e ao domínio do simbólico?
"Não basta pedir perdão", lembrara na véspera o Papa Francisco. É preciso atuar. Mas não foi isso que vimos. Nem, muito honestamente, é isso que nos espera no futuro. Ninguém deve ser condenado sem provas (embora, de acordo com Pedro Strecht, a Igreja disponha de todos os elementos necessários para agir), mas a obrigação dos bispos era suspender, ainda que preventivamente, aqueles que são suspeitos de comportamentos pérfidos, quanto mais não seja porque há um perigo real de reincidirem. O poder dos factos é, nesta como em qualquer investigação, inabalável, mas o dever moral da Igreja perante as vítimas, e perante os fiéis, tornava forçosa uma atuação mais consequente que não passasse uma imagem de sobranceria ou imobilismo.
Depois, remeter para as dioceses a investigação dos processos é, numa imagem simplista, a mesma coisa que colocar uma raposa a defender uma lebre dos ataques das outras raposas. Perante o que ouvimos, alguém acredita mesmo que mais alguma vítima se sinta motivada a denunciar os horrores do passado? Em vez de avançar, a Igreja portuguesa regrediu. E isso não tem perdão.
* Pedro Ivo Carvalho in "Jornal de Notícias" - 4.3.2023