8.2.23

OPINIÃO: Lagarde na sua torre de marfim

Já sentiu o choque da subida das taxas de juro no seu crédito à habitação? Ficou em choque com o que terá de pagar de juros se conseguir um empréstimo do banco para financiar um investimento na sua empresa? Prepare-se, porque vai piorar.
Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, e os seus pares, incluindo Mário Centeno, do Banco de Portugal, deixaram claro que vão continuar a subir as taxas de juro ao longo dos próximos meses. Porquê? Porque acreditam (a economia é, em muitos casos, uma questão de fé mais do que outra coisa) que é assim que vão conseguir controlar a inflação e fazê-la baixar para os 2%.
Se for preciso provocar uma recessão, com a consequente destruição de emprego, vão fazê-lo. Isto faz sentido? Para os crentes, faz. Para outros, não. Por exemplo, Joseph Stigliz, que já ganhou um Prémio Nobel da Economia, acha que não.
Diz Stigliz que a meta de 2% de inflação que está na moda entre os "falcões" que dominam os bancos centrais é um número mágico "tirado do ar", sem significado económico; que a subida de preços não teve nada que ver com excesso de procura (e de consumo), mas com os problemas nas cadeias de distribuição, provocados pela pandemia (e, na Europa, por uma crise energética que, entretanto, amainou); e que o problema se resolve investindo na eliminação desses estrangulamentos, e não estrangulando quem já está com a corda na garganta.
Ninguém tem dúvidas de que uma recessão conseguirá travar a inflação, mas não se percebe por que diabo alguém quereria provocar miséria generalizada. Acresce que uma recessão, associada a taxas de juros elevadas, conduzirá muitos países, como Portugal, para uma nova crise de dívida (está lembrado do que nos aconteceu durante o período da troika?).
É evidente que podemos acusar Stigliz de, sendo economista, ser também ele um homem de fé. Mas devemos reconhecer que expõe os seus argumentos de uma forma bem mais empática do que a arrogante banqueira central que está sentada na sua torre de marfim em Frankfurt. A salvo de qualquer percalço, que o sofrimento é só para a populaça.
* Rafael Barbosa in "Jornal de Notícias" - 8.2.2023