20.2.23

OPINIÃO: E os padres pedófilos ainda andam por aí?

 
Memórias indesejadas, ansiedade, insónias, crise. Esta semana, cinco homens pediram ajuda à associação Quebrar o Silêncio. Têm mais de 50 anos.
O sofrimento das vítimas de abusos sexuais na Igreja não terminou com o relatório da Comissão Independente. E não acabará com a alteração do prazo de prescrição dos crimes, nem com eventuais indemnizações. Muito menos quando os abusadores continuam por aí, à espera que o legislador se despache e que a Justiça atue.
Se as vítimas tiveram coragem para falar, a Igreja e o Estado têm de ter coragem para fazer o que tem de ser feito.
Há duas conclusões óbvias que resultam do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja. A primeira é que as vítimas viveram aterrorizadas e não encontraram na comunidade nem na Justiça a confiança necessária para denunciar os crimes. Em consequência, os agressores continuaram impunes. Uns protegidos pelos seus pares, em retiros classificados como espirituais, mas que eram tão-só esconderijos de pedófilos. Outros sabendo que, mesmo que fossem descobertos, o pior que lhes podia acontecer era serem afastados das suas funções. E se assim foi com sacerdotes e outras autoridades do Vaticano, em Portugal não seria pior.
É, portanto, legítimo questionar as razões pelas quais padres que foram sinalizados pelas vítimas à Comissão Independente ainda continuam no ativo, mesmo que o coordenador do relatório tenha aconselhado afastar essas pessoas do contacto direto com crianças, "em nome da saúde pública e do bem-estar".
A segunda conclusão é que urge alterar as regras de prescrição de crimes sexuais contra crianças, mas também os mecanismos de denúncia. Uma criança vítima de abuso sexual não poder ser obrigada a recontar a sua história dezenas de vezes.
É certo que a lei será mudada e o prazo da prescrição alargado. Menos certo é o fim da cultura do silêncio e da impunidade.
* Manuel Molinos in "Jornal de Notícias" - 17.2.2023