8.1.23

CRÓNICAS DA TABANCA: Brincar à caridadezinha

A rainha-maga, os dois reis-magos e a porta-bandeira, demandaram algumas ruas da zona antiga do Vale do Azambujal levando consigo sacos e saquinhos de prendas, a lembrar que estavam no Natal, um bom pretexto para a acção social e campanha eleitoral. Porta-a-porta, lá foram calcorreando as ruas numa tarde cinzenta, como cinzentas eram as suas frontes. 
- Somos os samaritanos da Praça do Pelourinho - disse a rainha maga, e vimos trazer-vos umas lembranças, porque vocês são especiais, resilientes, resistentes e não estão contentes. Aceitem lá o saquinho e olhem bem para as nossas caras, já sabem em que hão-de votar quando houver eleições...
- Muite obriguéde, rainha-maga, mas ê não ´stou cá nesse dia, é domingue e vou vê o Binfica!
- Vai ver o Benfica? Não vai votar em nós? Então passe para cá o saquinho! intimou a rainha-maga.
- Dé! Isse é qu´era bom! respondeu o Zê Maria. Prenda dada non é repassada. Ninguém pedi nada à s´nhora, pois nã? Atã quim é c´a mandou cá vi? Estava ali tã bem a tratá do mê quinzinhe e vomecê más os ses capangas, que num conhece de lade nenhum, vêm vindê bába de caméle a cinq rés o litre? Dé! Oulha la ou!
O diálogo passou-se, mais ou menos nestes termos, uns dias antes do Natal e perante a firmeza do Zê Maria, a rainha-maga, os reis-magos e a porta-bandeira tiveram que zarpar para outra porta.
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O episódio faz lembrar uma canção do José Barata Moura, com 50 anos (1973) e os protagonistas encaixam que nem uma luva na letra da canção. Quiseram, numa tarde de Dezembro, ir para a rua "brincar à caridadezinha" e espalhar a demagogia, na pele de "bons samaritanos", com o dinheiro que não é deles, mas sim de todos os munícipes. Aqui ficam os versos e a música da canção, com uma dedicatória mais que evidente: demagogia não rima com democracia. 

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

A senhora de não sei quem
Que é de todos e de mais alguém
Passa a tarde descansada
Mastigando a torrada
Com muita pena do pobre
Coitada

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

Neste mundo de instituição
Cataloga-se até o coração
Paga botas e merenda
Rouba muito mas dá prenda
E ao peito terá
Uma comenda

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

O pobre no seu penar
Habitua-se a rastejar
E no campo ou na cidade
Faz da sua infelicidade
Alvo para os desportistas
Da caridade

Vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta e boa comidinha
Vamos brincar à caridadezinha

E nós que queremos ser irmãos
Mas nunca sujamos as mãos
É uma vida decente
Não passeio ou aguardente
O que é justo
E há-que dar a toda a gente

Não vamos brincar à caridadezinha
Festa, canasta é falsa intençãozinha
Não vamos brincar à caridadezinha
Não vamos brincar à caridadezinha
Não vamos brincar à caridadezinha

Hoji- Ya- Henda