24.4.21

OPINIÃO: São os jovens que desistem do interior ou é o interior que desiste dos jovens?

A realidade da vida rural que muitos idealizam é esta: muito trabalho, pouco dinheiro, pouco acesso a cultura, pouco acesso a oportunidades, pouco acesso a cuidados médicos… Pouco acesso a tudo. Para clarificar esta ideia basta seguir esta lógica: “No meu círculo de conhecidos, quantas são as pessoas que eram do interior, foram estudar para fora, e voltaram?
Os jovens são o motor de esperança de que o interior precisa. Sem eles é impossível contrariar as forças do despovoamento. São muitas as formas de apoio jovem que existem por todo o território nacional, mas o que se observa é que não se demonstram suficientes para estancar a o êxodo populacional para o litoral, sendo fundamental almejar novas formas de fixação dos jovens após os estudos. Mas porque é que tantos jovens fogem do interior?
Bem, ao longo da nossa vida escolar (que tem vindo a ganhar condições adicionais de ano para ano), são prometidos aos jovens do interior os mesmos desígnios do que aos jovens do litoral. E isto tem, muitas das vezes, um resultado desanimador: os jovens do interior não encontram uma correspondência às expectativas profissionais na sua localidade, não tendo outro recurso a não ser ir à busca de empregos que preencham as suas metas fora dos locais onde, em tempos, sonharam trabalhar. É uma realidade injusta.
Em diálogo com outros jovens chego mesmo a observar que existe a sensação de que quanto mais se estuda, mais têm de se afastar do interior para alcançar os seus objectivos profissionais. Mas há uma realidade escondida que a pandemia em muito contribuiu para realçar: a qualidade de vida no interior é invejável. Isto fez despertar ainda mais o interesse (e também o desespero) dos jovens que se querem fixar, mas que não encontram meios para o fazer.
Aliás, não foram apenas os jovens que (re)descobriram o interior. Ao que se parece, grande parte da população do litoral também descobriu, por exemplo, os recantos dos oásis alentejanos. Mas esta romantização do que é a vida rural preocupa-me: o mesmo isolamento que traz turistas é o mesmo isolamento a que os jovens (e toda a restante população) do interior estão submetidos.
Os jovens do interior existem, estão lá e merecem ser ouvidos. Da mesma forma que merecem os que não estão lá, mas que sonham estar.
Além dos que saem das suas terras para estudar, o que acontece aos que ficam? Muitos são os que escolhem acabar o percurso escolar e ir de imediato para o activo. E que bom é ter os jovens a trabalhar! Mas em que condições? Infelizmente, na sua maioria, a pouca qualificação é sinónimo de trabalhos precários, pouco ou mal pagos e que utilizam os jovens para mão-de-obra barata. A realidade da vida rural que muitos idealizam é esta: muito trabalho, pouco dinheiro, pouco acesso a cultura, pouco acesso a oportunidades, pouco acesso a cuidados médicos… Pouco acesso a tudo. Para clarificar esta ideia basta seguir esta lógica: “No meu círculo de conhecidos, quantas são as pessoas que eram do interior, foram estudar para fora, e voltaram?”
A política de fixação de jovens, na sua generalidade, entra em fuga daquilo que é a realidade, não sendo adaptada correctamente e, muitas vezes, não aproveitando a totalidade das potencialidades locais. Sendo assim, como poderá existir uma efectividade de fixação dos jovens se não existem políticas musculadas o suficiente para tal efeito? A resposta não pode residir unicamente em políticas locais ou nacionais, tem de subsistir numa vinculação forte e empenhada entre as duas esferas. Assim, sejam elas de cunho económico, social ou político, a sua substância deve alicerçar-se numa concepção de progresso, primordialmente num progresso que marque um horizonte frutífero e proficiente para os concelhos o interior, que caminham a passos largos para o despovoamento. Os jovens do interior existem, estão lá e merecem ser ouvidos. Da mesma forma que merecem os que não estão lá, mas que sonham estar: os que idealizam um dia poder voltar às terras que os viram nascer. Os jovens resistem; por isso, está na hora de lhes dar voz.
Mafalda Flores19 anos, estudante do 2.º ano de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Natural de Arronches, em Portalegre. Interessada por política, inquieta e apaixonada por gatos.